Entenda a disputa pela presidência após 20 anos na Assembleia
O ano era 2003. O Estado começava a se desvencilhar das garras do crime organizado, entranhado em muitas instituições capixabas, quando a Assembleia Legislativa (Ales) teve sua última disputa pela Mesa Diretora.
A sessão do dia 3 de fevereiro daquele ano foi conturbada e marcada por confusão, agressões, oficial de Justiça na porta, muito bate-boca e duas chapas na disputa pelo comando do Legislativo que, à época, aparecia mais no noticiário policial do que no político.
O deputado e ex-jogador de futebol Geovani Silva encabeçava uma chapa que tinha o apoio do ex-presidente da Ales José Carlos Gratz. Ele disputou contra Cláudio Vereza – apoiado pelo então governador da época, Paulo Hartung. Geovani ganhou por 19 votos contra 11, mas a vitória durou poucos dias.
Cinco deputados eleitos, que tinham sido afastados pela Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro e que estavam com prisão preventiva decretada, participaram da votação, o que fez o Tribunal de Justiça anular a eleição. Um novo pleito ocorreu no dia 10, dessa vez com chapa única encabeçada por Vereza, que foi eleito e presidiu a Casa por dois anos.
De lá pra cá todos os presidentes do Legislativo chegaram ao comando por chapa única e com o apoio do governo. César Colnago foi eleito e comandou a Assembleia no biênio 2005-2006; Guerino Zanon foi eleito em 2007; Élcio Alvares, em 2009 e Rodrigo Chamoun, em 2011.
Chamoun não terminou seu mandato de dois anos, por ter sido escolhido conselheiro do Tribunal de Contas. O deputado Theodorico Ferraço então, foi eleito para um mandato tampão em 2012 e reeleito mais duas vezes (em 2013 e 2015). O atual presidente, Erick Musso, também foi eleito três vezes para presidir a Casa e está no comando desde 2017.
A situação do Espírito Santo agora é bem diferente de 20 anos atrás. O cenário é outro. Além do Estado ter dado passos largos no combate à corrupção e cooptação de autoridades pelo crime organizado, as instituições se fortaleceram, criaram ferramentas para aumentar a vigilância e a transparência do poder público e, como resultado, os escândalos deram uma trégua, embora casos pontuais continuem aparecendo.
Mas, mesmo com o Estado pacificado, a eleição na Assembleia pode, neste ano, romper com a tradição de chapa única das duas últimas décadas. Ao menos, esse era o clima após o governo sinalizar, ontem (23), que a benção do Palácio Anchieta vai para o deputado Marcelo Santos (Podemos) e Vandinho Leite (PSDB) garantir que não abrirá mão da disputa pela presidência do Legislativo.
Disputa na base
Ao contrário do que ocorreu em 2003, os dois pleiteantes dessa vez são da base do governo. Marcelo, atual vice-presidente da Assembleia, é do Podemos, partido que se tornou um dos principais aliados do governador Renato Casagrande (PSB). Já Vandinho preside o PSDB, partido do vice-governador, Ricardo Ferraço, que tem ganhado protagonismo e espaço na gestão.
A disputa pelo comando da Assembleia começou com cinco cotados – além de Vandinho e Marcelo, estavam também: João Coser (PT), Tyago Hoffmann (PSB) e Dary Pagung (PSB) – todos da base do governo. E, desde o início, o governador havia dito que ouviria os deputados, mas que a intenção era a de se chegar a um consenso.
É comum, nas eleições, que o governo ouça os deputados e acompanhe quem está se viabilizando, ou seja, conseguindo maior adesão entre os pares para a disputa. Coser foi o que primeiro apresentou resistência, por causa do seu partido (PT) e da grande parcela de deputados de direita que se elegeu.
Tyago, embora tenha dito que procurou o governo e decidiu abrir mão da candidatura em prol da união da base, também encontrou dificuldades entre aliados e opositores, devido a algumas rusgas criadas no tempo que passou como secretário e durante a campanha eleitoral.
Dary, o líder do governo, também retirou a candidatura. Nos bastidores, a pedido do governo, para não embolar ainda mais o meio de campo que já se desenhava acirrado. Dary assumiu o blocão de deputados, criado por Vandinho, que chegou a ter 24 nomes.
Sobraram, então, Vandinho e Marcelo e o imbróglio para o governo. Como os dois são da base, os parlamentares eleitos começaram a cobrar uma posição do governador, que se viu numa situação delicada em ter que escolher entre dois aliados. Mas, o martelo foi batido em favor de Marcelo.
Os motivos oficiais e os extraoficiais
Conforme noticiou ontem a coluna, entre os motivos alegados pelo governo aos deputados para justificar a escolha por Marcelo, estariam o fator antiguidade. Marcelo tem 52 anos e vai para o seu sexto mandato consecutivo como deputado estadual. Já Vandinho tem 44 anos e vai para o quarto mandato na Assembleia.
Outro fator citado seria que Marcelo teria uma relação política maior, ou mais longa, com o governo. Não se trataria de quem é mais ou menos aliado, mas da permanência de Marcelo na base desde o primeiro mandato de Casagrande. Já Vandinho, embora o PSDB tenha feito parte da coligação de Casagrande na eleição de 2018, começou o mandato como opositor, mudando de postura apenas após a eleição municipal de 2020.
Marcelo também garantiu ao governo que não seria candidato a prefeito de Cariacica no ano que vem. O município é comandado pelo aliado de primeira hora do governo, o prefeito Euclério Sampaio (União), e, embora Marcelo tenha apoiado Euclério na eleição, ele já disputou e nada o impediria de disputar novamente a prefeitura do município.
Vandinho também sonha em ser prefeito da Serra. Ele disputou em 2020 e ficou em terceiro lugar. Hoje, ele faz oposição ao atual prefeito, Sergio Vidigal (PDT), que é aliado do governador. Os dois devem se enfrentar, novamente, nas urnas no ano que vem.
Um último ponto apresentado oficialmente pelo governo é de que Marcelo também teria garantido que não será candidato a deputado estadual em 2026, ou seja, seria sua última chance de ser presidente.
Porém, nos bastidores, outras razões são apontadas. Uma delas seria a suspeita, levantada principalmente pelo grupo que apoia Marcelo, de que Vandinho teria dificuldades de garantir a governabilidade na Ales tendo assumido supostos compromissos com os parlamentares de partidos da oposição.
A construção dessa narrativa conseguiu, inclusive, fazer com que alguns apoiadores de Vandinho migrassem para Marcelo, iniciando uma rachadura no blocão que o tucano tinha construído. Somado a isso, foi trazido à tona falas de Vandinho contra o governo do tempo em que era opositor.
O debate da disputa municipal de 2024 também teria pesado negativamente para Vandinho. Entre os aliados do governador, há muitos de olho na Prefeitura da Serra. Além do grupo do atual prefeito Vidigal, há o deputado Bruno Lamas (PSB), que vai assumir a Secretaria de Ciência e Tecnologia; e os deputados eleitos Alexandre Xambinho (PSC) e Pablo Muribeca (Patriota). Sem contar que o PT também deve lançar candidato na Serra.
Apoiar um candidato a presidente da Assembleia com pretensões eleitorais para o próximo pleito poderia criar desgaste com os demais aliados com reduto eleitoral na região.
Ganhos e perdas
Ao reagir à escolha do governo pelo nome de Marcelo, Vandinho disse que já teria os nomes necessários para registrar sua chapa. Como a coluna mostrou ontem, são necessários sete nomes, além do apoio de uma bancada partidária.
Mas os deputados devem avaliar primeiro, antes de fechar com qualquer uma das chapas, o custo da decisão. Quem apoiar a chapa que perder, deve estar preparado para não ter posição de destaque nos cargos da Mesa Diretora e nem nas comissões mais importantes. Além de, claro, ficar de fora da divisão do bolo dos mais de 300 cargos comissionados da Mesa Diretora.
Se o governo for mais incisivo na eleição da Mesa, os custos podem respingar no Palácio. Dependendo do movimento que faça, o governo pode jogar deputados aliados na oposição, o que vai trazer desgastes para o primeiro ano da nova gestão. Sem contar que se o candidato do governo perder, o jogo de forças muda totalmente.
Por outro lado, aliados que não fecharem com o governo podem ficar escanteados, em caso de vitória do candidato apoiado pelo Palácio Anchieta. Nos bastidores, há um temor até de que emendas parlamentares sejam represadas.
Até o momento, o governo não dá sinais de que vai entrar atropelando na eleição da Ales. Mas o esforço é para que haja uma única chapa, de consenso, composta pelos dois grupos. Sem recuo e sem consenso, os próximos passos também são imprevisíveis.
Fonte:FolhaVitoria
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