Lei Antirracismo e suas atualizações: um avanço, mas que cobra coerência

Lei Antirracismo e suas atualizações: um avanço, mas que cobra coerência

Por Renato Canuto

A luta contra o racismo no Brasil é legítima, urgente e histórica. A Lei nº 7.716/1989, conhecida como Lei Antirracismo, foi, sem dúvida, um marco importante ao tipificar condutas discriminatórias e racistas como crimes inafiançáveis e imprescritíveis.

Contudo, em 2023, uma nova etapa dessa legislação foi inaugurada com a promulgação da Lei nº 14.532/2023, que alterou substancialmente o tratamento penal do racismo e da injúria racial.

Sob a ótica da legalidade, a mudança parece um avanço, a nova lei equiparou a injúria racial ao crime de racismo, tornando-a também inafiançável e imprescritível, com pena de reclusão de 2 a 5 anos.

A alteração tem como objetivo ampliar o alcance da proteção penal contra manifestações ofensivas de cunho racial, dando destaque à espaços públicos ou com ampla repercussão social.

No entanto, o que parecia uma correção histórica carrega em si um paradoxo jurídico e político relevante, que precisa ser enfrentado com honestidade intelectual. A depender da interpretação judicial, uma piada feita em um show de comédia pode resultar em pena maior do que um ato direto de segregação racial.

Eis o problema da dosimetria da pena, que é a análise do juiz usa para calcular a punição mais justa para cada caso, levando em conta o que a pessoa fez, como fez e quem ela é.

Pois hoje, após a mudança legislativa, temos um cenário curioso: um indivíduo que ofende alguém com palavras racistas num espaço público pode pegar mais tempo de reclusão do que outro que, por exemplo, impede o acesso de uma pessoa negra a um restaurante ou vaga de trabalho com base em sua raça, caso o juiz, na dosimetria da pena, aplique as agravantes com mais rigidez no caso da injúria.

O resultado disso é uma distorção penal que desafia a lógica da proporcionalidade.

O bem jurídico protegido pela norma é o mesmo (a dignidade da pessoa humana e a igualdade racial), mas a punição pode ser mais severa para quem ofende por palavras do que para quem pratica atos discriminatórios estruturais?

Do ponto de vista político e social, é necessário reconhecer que a equiparação da injúria racial ao racismo foi uma resposta legítima ao clamor popular por justiça em casos de ofensas que antes eram tratadas com brandura excessiva. Mas é igualmente necessário alertar que o Direito Penal não pode ser movido por indignação isolada ou viralizações temporárias.

A força da lei está justamente em seu equilíbrio. A falta de distinção clara entre os níveis de gravidade das condutas pode comprometer a credibilidade do sistema e, pior, ser usada para perseguir ou silenciar alguns sob o pretexto de proteção jurídica.

Aqui entra uma preocupação importante para o campo da liberdade de expressão: artistas, comunicadores, professores e comediantes podem ser levados ao banco dos réus por interpretações subjetivas de suas falas, mesmo quando o contexto for evidentemente satírico, crítico ou humorístico.

Conclusão

A alteração promovida pela Lei nº 14.532/2023, portanto, representa um avanço necessário no combate ao racismo, mas peca ao embaralhar conceitos jurídicos que exigem distinção técnica e penal.

O resultado disso é a possibilidade de que a pena por uma piada de mau gosto seja maior do que por um ato concreto e direto de discriminação racial.

O Brasil precisa, sim, punir o racismo com rigor. Mas também precisa de leis que respeitem a hierarquia das condutas e a coerência do sistema penal.

Proteger as vítimas, tem que ser, sempre, a prioridade, mas sem abrir brechas para que a justiça seja usada como instrumento de vingança ou censura.