Soberania ou Conveniência? A Importância do Princípio no Cenário Atual

Por Renato Canuto
Nos últimos tempos, a palavra “soberania” tem sido usada com frequência, ora como escudo, ora como espada. Mas será que todos que a usam realmente entendem o que ela significa?
Mais do que um jargão político, soberania é um conceito jurídico sério, com raízes no próprio alicerce do Estado moderno. E, em tempos de crise de legitimidade, convém perguntar se estamos defendendo a soberania nacional ou apenas utilizando-a como instrumento de conveniência política.
Para começo de conversa, soberania é, em termos simples, o poder de um Estado de se autogovernar, de tomar suas decisões sem interferência externa. É a base do nosso pacto constitucional. A Constituição Federal, por exemplo, começa afirmando que o Brasil se constitui em um Estado soberano. Isso quer dizer que temos autonomia para decidir nossos próprios rumos, mas também significa que devemos respeitar a soberania dos outros países.
Nesse sentido, é importante reconhecer que até mesmo figuras como o ex-presidente Donald Trump podem, por vezes, extrapolar os limites do respeito à soberania brasileira, quando “exige” que o Brasil tome certas decisões internas (como absolver ou não julgar determinados cidadãos brasileiros).
Essas são decisões soberanas do Estado brasileiro, e não cabem imposições externas (ainda que estejamos vivendo um momento de total insegurança jurídica, com frequentes decisões que ferem frontalmente nossa Constituição).
Por outro lado, é preciso separar isso de medidas legítimas de política interna dos EUA. O ato de impor tarifas a produtos brasileiros, por exemplo, ainda que nos desagrade, faz parte do exercício da soberania americana em sua política econômica! Trata-se do direito de cada país de tomar decisões dentro dos limites de seu próprio território e sistema legal.
A crítica pode existir, é claro, e faz parte do jogo democrático. Mas o que não se pode fazer é questionar, de forma leviana, o funcionamento das instituições de um outro país, sobretudo quando essas instituições estão funcionando conforme as regras internas daquele Estado soberano.
A situação fica ainda mais delicada quando olhamos para a atuações recentes do governo brasileiro. A chamada “missão diplomática” para “resgatar” a ex-primeira-dama da Bolívia, condenada por corrupção e presa após devido processo legal, levanta muitas questões. O governo brasileiro tem o direito de manifestar-se sobre casos internacionais, mas ao agir de forma a interferir diretamente no cumprimento da Justiça boliviana, estamos passando por cima da soberania do país vizinho. E isso é perigoso.
O mesmo vale para o apoio manifestado por representantes do governo brasileiro à ex-presidente da Argentina, que também responde na Justiça por corrupção. Pedir tratamento mais brando ou até anistia em nome da “amizade” ou da “integração regional” é uma afronta à soberania argentina. E mais: transmite a mensagem de que a solidariedade política está acima do respeito às leis.
O problema, aqui, não é apenas jurídico, é também moral e institucional. Quando um país começa a selecionar quais decisões judiciais de outros Estados respeita e quais desconsidera, estamos caminhando para um cenário de relativização do Direito. E esse caminho é perigoso para todos, inclusive para nós mesmos. Hoje se contesta a Justiça boliviana ou argentina; amanhã alguém pode querer deslegitimar a soberania do Brasil.
É claro que a soberania não é um conceito absoluto. Vivemos num mundo interconectado, onde tratados internacionais, blocos econômicos e organismos multilaterais impõem limites e criam compromissos. Mas a soberania continua sendo o ponto de equilíbrio entre autonomia e respeito mútuo. Não é um salvo-conduto para proteger aliados políticos nem um álibi para atacar adversários.
Portanto, é preciso lembrar: defender a soberania de forma seletiva é o mesmo que não defendê-la. Se queremos ser respeitados como nação, precisamos, antes de tudo, respeitar as instituições dos outros países, gostemos delas ou não. E, internamente, devemos exigir que o mesmo princípio seja aplicado com seriedade.
Não há soberania sem responsabilidade, nem liberdade sem compromisso com a legalidade.
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Advogado atuante na área Empresarial, Administrativo e Licitações. Habilitado em Liderança, Inteligência Interpessoal, Comunicação Eficaz e Negociação, com 26 anos de experiência na Administração Pública.