Audiência destaca desafios no enfrentamento da violência de gênero

Audiência destaca desafios no enfrentamento da violência de gênero

Subnotificação dos casos, impunidade para os agressores e falta de acolhimento às vítimas são alguns gargalos no combate ao problema

A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Ales) discutiu nesta quinta-feira (18) a dificuldade estrutural das instituições em fazer garantir às mulheres capixabas a efetivação de medidas protetivas nos casos de violência doméstica. Para a deputada presidente do colegiado, Camila Valadão (Psol), apesar dos números de feminicídio no ES apontarem para queda nos últimos anos, “ainda estamos muito aquém daquilo que nós desejamos no sentido de ter uma vida segura para todas as mulheres”.

“De acordo com os dados, só nesse primeiro trimestre do ano de 2024 foram oito casos de feminicídios e 21 mulheres assassinadas. Um número expressivo, inclusive muitos desses assassinatos, como nós constatamos, com requinte de crueldade. O que coloca, inclusive, para quem atua em todo o sistema, desafios de elucidar, de responsabilizar”, afirmou a parlamentar.

Fotos da audiência pública

A coordenadora da Procuradoria Especial da Mulher da Ales, Marilene Aparecida Pereira, alertou que nos casos de denúncias feitas ainda há o problema da demora de notificação sobre o agressor, ficando a sensação de impunidade. “Essas mulheres relatam isso, ‘ele vai na minha porta’, ‘ele me agride verbalmente’, ‘ele tira meu sono e tira minha paz’”. “O Estado não consegue notificar e fica a sensação de impunidade”, criticou.

“Fazemos um acolhimento, um atendimento, tirando dúvidas de mulheres que estão passando por algum tipo de violência. Essas mulheres falam muito da angústia delas, no sentido de quando, das suas medidas protetivas, quando conseguem fazer esse registro. Ainda é muito difícil fazerem os registros por fatores diversos, medo, vergonha, intimidações do companheiro… não é fácil uma mulher reconhecer que está passando por qualquer tipo de violência”, pontuou Marilene.

Gerente de enfrentamento à violência da Secretaria Estadual da Mulher, Fabiana Malheiros explicou que a pasta não tem um ano de funcionamento, e que a primeira tarefa da equipe foi entender quais áreas políticas já estavam construídas. O Estado conta com um Plano de Políticas para as Mulheres e um Pacto de Enfrentamento à Violência e esses dois documentos deveriam servir de base para políticas e ações.

“Esse é um ano crucial para nós, vamos reavaliar esse pacto, nós vamos revisitar fazendo uma proposta de muitas escutas coletivamente indo às microrregiões”. As escutas que já começaram levam em conta a diversidade de mulheres, como as lésbicas, bissexuais, transexuais, atípicas, quilombolas e as da floresta”, explicitou.

Defensoria

A garantia das medidas protetivas ainda é um tema caro, opinou a defensora pública Fernanda Prugner, coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem).

“A gente sabe que dentro das medidas protetivas que são deferidas pelos juízes das varas especializadas, tem um afastamento do lar desse agressor. Mas às vezes isso não é suficiente, às vezes essa mulher não quer ficar naquele local porque quando a gente fala de enfrentamento acho que uma coisa que a gente não pode esquecer também é a autonomia dessa mulher, é escutar essa mulher, é tentar uma solução para essas violências, uma construção para cada uma”.

O núcleo tem uma atuação estadual no enfrentamento às violências. A defensora destacou que a maior dificuldade quando se fala das violências contra as mulheres, passa pelos dois plurais.

“São violências contra as mulheres. Porque são várias. A gente não pode ter uma mulher só e aquele modelo vai ser replicado. Há dificuldades, por exemplo, com mulheres em situação de violência em territórios dominados pelo tráfico. A gente sabe da diferença de mulheres negras, mulheres brancas”.

Receio

A advogada Sonia Regina Rosa Simões, membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB-ES, contou sobre a dificuldade de muitas mulheres, “envergonhadas ou constrangidas”, de denunciar a violência que estão sofrendo nos seus lares, tornando a atuação direta da instituição nos bairros um trabalho lento. O ônibus itinerante da Lei Maria da Penha é uma parceria da Ordem com o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).

“Há uma dificuldade muito grande no trabalho. Chegamos e às vezes não tem uma demanda grande de mulheres, ou porque faltou ser divulgado, ou porque sentimos essa dificuldade mesmo da própria mulher. Ela sofre aquele medo e aquela dor sozinha. É a violência velada mesmo, ali no seio da família, uma violência ignorada”.

Justiça

A juíza e coordenadora estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar, Hermínia Maria Silveira Azoury, relatou a longa história de atuação dela na luta contra a violência, a busca por apoio institucional e por recursos físicos para estruturação do espaço. Hermínia direcionou uma reflexão aos homens. “Vocês, homens, têm que estar atentos para isso. Porque vocês são nossos colaboradores, não competimos com vocês. O nosso ideal é serem iguais como a constituição preconiza”.

“Quando a gente fala em violência doméstica, estamos falando de um fenômeno universal. Às vezes as pessoas só pensam na violência física, mas esquecem que a violência psicológica é tão danosa quanto a violência física”, citou.

A vereadora de Aracruz Rhayrane Pedroni (PCdoB) cobrou a urgência de uma vara especial no município para acabar com a ideia de impunidade e a continuidade de “violências sobre violências”.

“Vários crimes de violência doméstica vão para outras varas criminais e eles competem, acabam competindo com outros tipos e vão ficando, vai passando o tempo, e vai prescrevendo. E quando a gente recebe as nossas munícipes que sofreram a agressão, que falam, ‘olha, meu processo prescreveu’, é de cortar o coração”, explicou.

“A gente já sabe do desafio que é chegar a ir à delegacia. Mas essa mulher agredida, ela passa por isso e vai. E ela, mesmo por todos esses desafios, ela abre a queixa, faz o boletim, e espera que tenha uma punição, espera que tenha algo. Quem vai esperar que aquele agressor tenha uma pena corretiva e não acontece, e então o que a gente vê? O desdém, o descaso, o agressor que passa falando ‘eu não te disse que não ia dar em nada?’”, completou.

Manifesto

Durante a audiência pública, representando o Fórum das Mulheres no ES, Maria Helena Cota Vasconcelos leu um manifesto. O fórum é uma organização social feminista “na luta contra o patriarcado, o racismo e o capitalismo”. O manifesto, pela vida das mulheres do campo, das águas, das cidades e das florestas, reivindica entre vários pontos “o fim, de uma vez por todas, de todas as violências, do racismo e de toda a conivência dos governos com os diversos tipos de violência contra as mulheres”.

Maria Helena lamentou que o Estado, com um pacto de desenvolvimento econômico e sustentável, apesar de contar com um plano em relação às mulheres, ainda apresente um investimento mais baixo em pautas sociais.

Falas

Ao final da audiência pública, mulheres vítimas de violência fizeram uso da palavra. Também colaboraram funcionários de vários Conselhos Regionais de Assistência Social (Creas) de cidades do interior capixaba, instrumento público que também está na ponta do atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade. Uma das profissionais foi  Sara Lannes, assistente social do Creas de Santa Leopoldina.

“Nós que estamos no atendimento, lá na ponta, os números, eles têm rosto, eles têm família, eles têm uma trajetória conosco. O caso começa naquele atendimento no Creas ou no Cras, mas ele vem da educação, do posto de saúde, do movimento comunitário, então são trajetórias”. Sara discorreu sobre casos de violência e a problemática da falta de abrigos para acolher as vítimas no ES, que se agrava ainda mais no interior.

“Precisamos pensar como atendermos essas violências e essa violência maior, que é a incapacidade do poder público de garantir um atendimento quando a demanda ainda não foi pensada pelas instituições”, criticou.

Fonte; Assembleia Legislativa