Entrevista com Zety Araújo: “Me considero sim, uma mulher muito forte, porque a dor de perder um filho não é brinquedo”
Março é o mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Uma data proposta para que a sociedade reconheça a importância das lutas e dos avanços sociais das mulheres.
Ao longo deste mês, o Consórcio de Notícias do Espírito Santo (CNES), por meio do portal Política Capixaba, entrevistou mulheres reconhecidamente importantes em seus campos de atuação profissional no Estado.
A série especial do Mês das Mulheres entra na sua oitava entrevista, para evidenciar a importância do trabalho realizado nas comunidades socialmente vulneráveis e que não obtém reconhecimento ou destaque, mas que representa, para muitas pessoas, a diferença entre a vida e a morte.
Zety Araújo é diretora do Instituto Araújo, localizado no bairro Santa Rosa, em Cariacica, na Região Metropolitana.
O trabalho que ela realiza ajuda pessoas de todas as idades e vai muito além da assistência paliativa. Ela garante que o trabalho dela muda destinos.
Sua atuação visa proporcionar condições de desenvolvimento social para crianças, jovens e, principalmente, para as mulheres, que na região dela, assim como em muitas outras do País, são quase sempre as responsáveis solitárias pela criação dos filhos.
Ela conversou sobre suas motivações, seus desafios, suas dores e sobre a sua certeza de que ainda vai fazer muita diferença na vida de pessoas, mesmo com poucos recursos, com pouco apoio, mas movida pela Fé que a orienta, e de onde ela tira forças, nesses 30 anos de atuação no campo social.
Confira:
Há quanto tempo trabalha no campo social? O que a motivou começar?
Desde a adolescência. Eu comecei aos 11 anos de idade. Há mais de 30 anos eu faço trabalhos sociais, que eu amo. Minha motivação é a vontade de mudança. Em média, 300 pessoas são atendidas pelo Instituto.
Dentre os vários projetos, ajudamos desde a criança na barriga da mãe, que é o “Projeto Gestante”, até o idoso, principalmente visando a saúde.
Hoje, a gente consegue atender em toda a Grande Vitória e já atendemos o interior do Estado, com o Projeto Gestante, com ações na área da saúde, cirurgias, pois nosso instituto faz parcerias e corre atrás para ajudar.
Além do Projeto Gestante, nós temos o balé, que funciona no bairro Flexal, em Cariacica. Nossa sede hoje é no bairro Santa Rosa, região da Grande Flexal.
O balé consegue atender crianças de Vila Prudente e do entorno, pelo menos cinco bairros. Na sede, nós temos a capoeira, realizada durante a semana, à noite e também temos no bairro Retiro Saudoso.
Realizamos aulas de reforço escolar para as crianças, temos cursos de qualificação, para geração de renda, como barbearia, confeitaria, na área de estética, manicure, design de sobrancelha, auto maquiagem e a gente consegue parceiros para nos ajudar. Hoje temos dentista que nos ajudam com as crianças, psicólogos, nutricionista.
A gente faz ações por meio de redes sociais, para ajudar as pessoas. E a gente consegue ajudar às famílias com móveis, roupas, mantimentos e a gente também tem um projeto na área que para mim é base de tudo: Educação.
Há três anos consecutivos, a gente consegue entregar todo kit escolar para as crianças, juntamente com a mochila. Isso é um pouquinho dos nossos projetos. Vale a pena destacar que os abadás da capoeira, os uniformes do ballet, todos são fornecidos pela instituição.
Por baixo, a gente já conseguiu atender umas 20 mil pessoas. Temos barbeiro com barbearias montadas, temos manicures com seus salões. Temos pessoas que montaram padarias. Demos um leque de oportunidades e as pessoas estão gerando sua renda, trabalhando.
Você tem trabalhos específicos com mulheres? O que você acha que falta para as mulheres da sua cidade, em termos de políticas públicas?
Além do “Projeto Gestante”, temos o projeto de atendimento psicológico. A gente percebe muitas mães, já sendo mães, tendo outras crianças aqui na nossa região, por ser de comunidade.
Essas mulheres não têm condição de dar o enxoval adequado para a criança. Algumas delas, que vão ter o primeiro filho, estão desempregadas, sem recursos financeiros.
E também tem o trabalho voltado para a psicologia. Nossa região tem muitas mães, que assim como eu, perderam o filho para a violência. E que às vezes também está com o filho viciado em drogas, mães que têm os filhos envolvidos com a violência, no tráfico ou que sofreu violência domestica.
A gente tem muitos fatores assim, que comprometem o emocional e por isso, a gente tem esse atendimento voltado para as mulheres.
O que falta nas políticas públicas para a mulher é oportunidade e mais qualificação. Indo para a área de saúde, antigamente havia mais oportunidades para a mulher realizar os exames preventivos, como mamografia e ultrassom.
Desde a pandemia, isso está bem escasso. A gente percebe que não está havendo esse trabalho voltado para a mulher, para ela cuidar da saúde dela.
Faltam psicólogos para ajudar principalmente às mães, porque a dor da mãe que perde um filho, principalmente para a violência, assassinado, é uma dor que dói na alma e que se a gente não tiver muita firmeza com o Senhor, a gente não consegue ficar de pé.
Tenho muitas mães que eu atendi que perderam os filhos assim como eu, mas que não aguentaram suportar. Tiveram aneurisma, morreram. Tenho mães que ficaram cadeirantes. Mães que hoje têm o seu sistema mental abalado, devido a isso, porque não existe explicação para a dor da mãe perder um filho. Existe tudo, menos essa explicação.
Acho que precisa muito disso, não só em Cariacica, mas de forma que contemple todas as mulheres. Porque a mulher é a base de tudo, desde que o mundo é mundo, mas às vezes ela precisa desse apoio psicológico e ela não encontra.
Outra situação complicada de lidar emocionalmente é quando ela leva aquele choque de realidade, de que o filho se envolveu com o tráfico, de que o filho está perdido com álcool ou qualquer tipo de droga.
Ela não tem esse apoio do que fazer, de como fazer. Então ela se sente perdida e às vezes ela se sente culpada. Então é todo esse trabalho psicológico que eu acredito que as comunidades periféricas precisam.
Como concilia essas atividades do campo social com sua vida particular, com sua família?
Sou presidente da Associação de Moradores do bairro Santa Rosa. Sempre fui empreendedora e há cerca de um ano e três meses, resolvi voltar para a loja física.
Eu e as minhas filhas conseguimos montar duas lojas. A gente tinha montado três lojas na linha de maquiagem, nesse segmento, só que tivemos de fechar uma delas. Hoje temos lojas em Itacibá e Porto Santana.
Eu tenho duas filhas, uma delas casada e é mãe da minha netinha Jade, a razão do meu viver. Eu tenho a minha filha caçula e as duas me ajudam muito para administrar a loja, para executar compras. Em tudo elas me ajudam.
Me ajudam também diretamente da forma que elas podem, tanto na Associação de Moradores, quanto na Instituição, elas me ajudam demais, principalmente na parte de marketing. Tudo o que a gente tem é por trabalho voluntário. A gente não pode remunerar ninguém, então elas estão sempre me ajudando em tudo.
Se dedicar a projeto social, você dedicar seu tempo ao próximo atrapalha sim, a vida pessoal. Isso mexe muito com você. Dificilmente vai encontrar uma pessoa, namorado ou marido que é dedicado 100% a isso. Difícil achar alguém que vá entender.
Não ter hora para as pessoas baterem à sua porta para um socorro médico, não ter hora para consolar alguém que o filho tenha acabado de falecer. Ou ajudar a família da pessoa que faleceu, por ela não saber os caminhos e ir à sua porta. É você ter hora para sair, mas não ter hora para voltar.
Então isso atrapalha bastante o convívio, os filhos ficam com ciúmes, sim. O marido se cansa. Você servir é difícil. Você achar alguém que entenda esse ato de servir é muito complicado, mas eu tento conciliar tudo.
Eu tento ficar um pouco sendo o coringa. Ficar um pouco com a família, ficar na associação de moradores, ficar na instituição, cuidar da minha casa, cuidar das lojas, ser empreendedora, ser avó, ser mãe, ser amiga de várias pessoas.
Que mesmo com toda essa longa bagagem que eu tenho, posso ouvir, posso aconselhar às pessoas que vão até mim para pedir conselhos. O saber ouvir hoje é muito difícil. Todos nós estamos precisando ser ouvidos e a gente não encontra ninguém para nos ouvir.
Como mede o resultado das realizações do seu Instituto? Já pensou em desistir?
Sempre trabalhei, desde 11 anos de idade. Algo me mexe para não ter horário fixo e sim ir até o cliente, buscar o cliente, já passei por muitas coisas.
Desde 11 anos trabalhando, eu já tive tudo de honesto na vida, desde trabalhar vendendo produtos cosméticos, até ter várias empresas, como eu já tive. Já tive lojas de confecção, papelaria, sorveteria, lanchonete, artigos e brinquedos para festa.
Trabalhei só com bolsas, mais de 30 anos indo para São Paulo, viajando, fazendo compras, vendendo lingerie, indo para Friburgo, no Rio de Janeiro. Eu criei meus três filhos trabalhando muito.
Devido a tudo isso, devido a filho doente, devido a você se dedicar às pessoas se decepcionar, eu já pensei em desistir, sim! Mas desistir do trabalho para ficar 100% do tempo na instituição.
Hoje nós do comércio, não temos um apoio voltado para o empreendedorismo. A gente percebe que ainda falta esse apoio para muitas pessoas. Tudo na vida da gente é difícil, mas a persistência, a Fé, a vontade é que nos motiva todos os dias a não desistir.
Mas acho que passa sim, pela cabeça das pessoas, como passou pela minha, como às vezes passa em fechar tudo e desistir de tudo. Mas Deus manda alguém, manda um sinal e a gente se fortalece.
Eu acho excelente, digo de coração cheio, que muitas instituições que recebem emenda parlamentares, que recebem ajuda governamental, não fazem um terço do que a gente consegue fazer na instituição.
Eu me sinto gratificada, maravilhada, engrandecida por Deus mesmo, por tudo o que ele faz na minha vida. E por tudo o que a instituição é na vida das pessoas.
Hoje a gente consegue atender diretamente nove bairros só em Cariacica e indiretamente, toda a Grande Vitória. Há 24 bairros que a gente atende com projeto de leitura e alfabetização. É muito lindo o que Deus faz!
De onde vêm os recursos que ajudam na sua Intuição? Como é manter uma Instituição?
Nenhum poder, de nenhuma esfera, seja ela municipal, estadual ou federal, nunca recebi nenhum tipo de recurso. Para a gente receber esse tipo de recurso, a gente precisa estar todo legal. A gente tem todo nosso estatuto legal. A gente não conseguiu se registrar ainda no conselho, porque a gente precisa do título de utilidade pública, aí passa pela Câmara Municipal.
Mas parece que os vereadores não querem votar o projeto, mesmo sabendo que nosso projeto é um projeto que realmente presta esse serviço. Aí, a gente se depara com vereadores que não querem votar.
Tenho um projeto que já está lá há cerca de um ano e dois meses, com o pedido de utilidade pública e eles não votam. Por isso, até coloquei o meu nome como candidata, porque eu precisava fazer alguma coisa.
Tenho buscado ajuda, pedido ao prefeito para me ajudar, para intervir, já tivemos algumas reuniões na Secretaria de Assistência Social, algumas conversas, mas ainda nunca tivemos ajuda nenhuma.
A gente está tentando correr, tentando acelerar, mas é um processo árduo. Até o momento, não temos ajuda de nenhum órgão público.
É difícil manter a instituição. Tem dias que meus músculos doem, a gente não tem dinheiro, aí eu vou, peço ajuda e compro barras de chocolate, por exemplo.
Peço para fabricarem bombons, peço aos amigos para eles fabricam e saio de porta em porta, com as crianças, com alguns voluntários, vendendo os bombons, pra gente poder se manter. Não é fácil.
Em 2017, eu perdi meu filho assassinado. E quando deu a virada de ano, eu queria muito fazer mais do que eu fazia. Aí eu falei com o Senhor. Eu achava que ia dar meia noite e meu filho ia ficar para trás, que eu não ia vê-lo mais que não ia sentir ele mais.
Aí, eu falei com Deus nesse momento em pensamento. Falei com o Senhor. Falei “Deus, se o Senhor não quer que eu sinta dor, essa dor da perda, o Senhor me encha de mais de ideias, coloca mais trabalho para eu fazer, para eu não sentir essa dor”.
Foi nessa virada de 2017 para 2018, que eu senti muito forte que Deus falava comigo, para eu fazer um projeto de música e que pedisse violões. Eu passei minha virada de ano pedindo violões e Deus me deu.
Consegui 11 violões. Com esses violões, eu consegui fazer a mudança de história na vida de muitas pessoas.
Pego esses violões, jogo no carro e consigo levar para o espaço físico de uma garagem da igreja, onde eu faço duas aulas pelas manhãs, duas aulas na parte da tarde em outro lugar, e faço duas aulas a noite.
Através desses violões, eu consegui impactar a vida não só de crianças, jovens, homens e mulheres, de várias pessoas, porque a música tem esse poder, assim como o esporte e o lazer têm esse poder de mudar a história da gente, de dar um novo significado. E esses violões foram um grande marco na minha vida.
Cite um caso marcante, dentre as pessoas a quem ajudou.
Eu estava em minha casa, aí veio uma senhorinha muito simples e falou para mim que o filho dela cortava cabelo e tinha sido preso, porque ele colocava a mochilinha nas costas e cortava o cabelo de várias pessoas, em vários lugares. E aí, parece que os rapazes envolvidos com o tráfico estavam numa casa e pediram para ir até lá cortar os cabelos deles.
Ele estava nessa casa cortando o cabelo deles, quando a polícia chegou. Tinha droga e arma nessa casa. Acredito nessa versão, por conhecer o menino através de várias pessoas. Eu não o conhecia pessoalmente e não conhecia a mãe. Ele não sabia que tinha isso na casa e a polícia bateu, prendendo todo mundo e o prendeu também.
Ela estava com essa listinha de abaixo assinado toda amassada, toda mal escrita, que ela estava fazendo para ajudar a tirar o filho dela da cadeia, para provar que o filho dela era trabalhador e que ele não estava no tráfico. Ela me contou que, caminhando pelo bairro, pediram para me procurar, pois eu a ajudaria.
Aí eu peguei a dor dessa mãe e, graças a Deus, com parcerias, pedindo aos outros mesmo. Para mim, eu não tenho coragem de pedir, mas para os outros eu tenho.
Fizemos o abaixo assinado e eu pedi a um amigo meu advogado. Para a honra e glória de Deus, ele ficou preso por dois meses e aí ele conseguiu sair, inocente.
Com o passar do tempo, ele sempre ia me procurar na instituição ou na casa da minha mãe e nunca me encontrava. Aí, se passaram seis meses e ele não me encontrava.
Um dia, quando estava na casa da minha mãe, ele apareceu do nada e disse que tinha ido lá para me agradecer, “por tudo o que a senhora fez por mim” e perguntou como faria para pagar isso.
Eu respondi: vamos mudar a história de mais pessoas. Vamos ajudar mais pessoas. Vamos colocar aqui um curso de barbearia. Vamos dar oportunidade para a mudança dos jovens.
E aí, nós montamos o curso e para a honra e glória de Deus, hoje nos temos barbeiros, com barbearias montadas, porque saíram do curso. E isso me marcou muito. Porque estava escrito, que esse menino ia mudar a história de muita gente.
E ele com muita simplicidade, muita humildade, ele foi assassinado no bairro vizinho, por causa da guerra do tráfico.
Infelizmente, segundo os comentários, a gente tem isso nas redes sociais, ele pegou o ônibus do bairro rival, do bairro inimigo e aí, ele correndo para pegar o ônibus, entrou, respirou fundo e disse “Graças a Deus que eu peguei esse ônibus, eu perdi o Santa Rosa, que é minha comunidade”.
Mas havia meninos do bairro inimigo dentro do ônibus. Pararam ele no ponto final e tiraram a vida dele. Mas ele deixou sua história. Ele ajudou muitas pessoas.
O que existe de mais desafiador e de mais gratificante no seu trabalho? Se considera uma mulher realizada? Se considera uma mulher forte?
O mais desafiador é você encontra pessoas que queiram abraçar a causa junto com você. É um desafio, você ter todo o material, ter o lanche da criança, sendo que ninguém te ajuda.
Você está ofertando todos os cadernos, todas xerox de material, ter o professor e ter tudo isso e deus me honrar. É desafiador elaborar um projeto onde você não tem dinheiro.
Eu, quando fui elaborar o projeto de balé, eu fiz três ligações e graças a Deus, eu consegui tudo, dos espelhos às sapatilhas. Isso é desafiador, encontrar pessoas que acreditam nos seus sonhos, para realiza-los junto com você.
Eu me considero uma mulher realizada, porque tudo o que vou fazer, seja o profissional, seja o pessoal, Deus sempre me dá o melhor. Se eu falar com você que vou montar uma lanchonete, deus não me dá uma cadeira de plástico, deus me dá a melhor que tem. Deus me dá o balcão melhor, tudo com muito trabalho, porque eu não tenho condições financeiras. É inexplicável!
Me considero sim, uma mulher muito forte, porque a dor de perder um filho não é brinquedo. E quando tinha seis meses que eu tinha sepultado o meu filho, eu já tinha sepultado nove jovens, igual eu tinha sepultado meu filho. Tinha momentos que estávamos só eu, o coveiro e a mãe.
Dentro de uma guerra de tráfico, no mês de dezembro de 2019, só dentro do meu bairro, tinham assassinado nove jovens. Então, eu me considero uma mulher forte. Quando eu acho que não tenho força, Deus me levanta e eu consigo dar forças para essas outras mães.
Eu consigo realizar coisa que só Deus explica, mesmo. Porque é inexplicável o que eu já fiz, o que eu já consegui, as coisas que eu consigo mover. Eu sou batalhadora. Eu consigo virar massa, eu consigo pintar uma parede, eu consigo pintar uma porta. Eu sou uma mulher que não só sonha. Eu faço o sonho virar realidade, colocando a mão na massa mesmo, correndo atrás, lutando para o sonho se realizar.
O que você pode dizer para as pessoas fazer algo pelo próximo, mas não têm iniciativa? É possível ser voluntário na sua instituição?
Que tem no coração a vontade de ajudar o próximo pode procurar uma instituição, seja ela qual for, uma igreja, projetos iguais ao meu, para ser voluntário. Ou então juntar umas crianças da própria comunidade, contar uma história, fazer um incentivo realmente na educação, com os pais.
Na capoeira, há um dia em que eu faço uma aula de reflexão com minhas crianças, falando do amor, de honrar pai e mãe. Eu falo na questão das escolhas, que só depende deles as escolhas.
Faço isso para hoje eles terem um olhar diferente, porque a sabedoria é algo que ninguém pode tirar. Eu falo para eles que tudo o que a gente tem, pode ser roubado. Mas não o que está dentro da cabeça, que é a educação, que é a sabedoria. Digo que é a isso que eles têm de buscar.
Hoje, nós temos um projeto de leitura também, com uma biblioteca maravilhosa. A gente sempre dá o incentivo para as crianças estarem lendo, buscando, para estar se informando, porque a educação é base de tudo.
Então, se as pessoas sentarem numa roda e contarem história para as crianças, envolvê-las num projeto, faz muita diferença. E se elas se sentirem sozinhas, então elas podem abraçar uma instituição, porque sempre tem lugar para alguém estar conosco.
Se a pessoa não souber ler, certamente sabe lavar uma roupinha, sabe costurar. Todo mundo sabe alguma coisa. Eu me lembro que na pandemia, eu consegui oito costureiras voluntárias, porque eu saía distribuindo máscaras e as crianças pediam máscaras.
Eu tenho uma paixão inexplicável por crianças. Eu entro nos bairros e as crianças gritam meu nome. Minha filha brinca que eu sou uma espécie de heroína para elas.
Então, eu acho que depende muito do que a pessoa quer. Se a pessoa quiser mesmo, ela faz. Se ela não puder estar ali, ela pode doar. Ela sempre pode ajudar de alguma forma. Sempre há alguma forma de ajudar a alguém que precisa. Sempre há.
Se você sente o desejo o coração, ajude. Procure projetos sérios, porque existem projetos sérios e você pode fazer a diferença na vida de muitas pessoas.
No meu projeto de leitura deste ano, eu não sabia o que dar para as crianças comerem. Deus enviou duas pessoas que não tinham aproximação comigo, para dar lanche para minhas crianças. Por terem visto na rede social. Olha como Deus trabalha. Minha fundação está de portas abertas para todos os voluntários.
Quais as metas de curto e médio prazo a senhora tem para a sua Fundação? O que mais gostaria de fazer pelas pessoas a quem atende?
Tem dois anos que estou com um projeto na minha cabeça e trabalhando com ele. Eu já tenho quase tudo, mas ainda não consegui. É um projeto desafiador para mim. Eu quero dar um curso de informática para minhas crianças, para os jovens, para os adolescentes, mulheres e os homens da minha comunidade.
A maioria dos jovens da minha comunidade não sabe abrir um e-mail, criar um e-mail. Eles não sabem fazer uma planilha, não sabem usar o word. As mães não têm condições de pagar um curso.
Então eu já consegui 11 computadores e três notebooks usados, em perfeito estado. Eu ainda preciso de um técnico para dar uma olhada nesses computadores. Alguns foram doados pela Volvo, outros por pessoas físicas e conseguir um professor.
Essa é uma das minhas metas, que eu creio que este ano, em curto prazo eu quero em julho começar esse projeto. Esse curso de informática é um compromisso que eu tenho com as minhas crianças. É um projeto para esse ano para as minhas crianças, que almejam uma oportunidade de emprego.
A gente perde muito dos nossos jovens por eles não terem uma oportunidade de emprego. De não ter o dinheirinho deles. As mães mal conseguem dar a alimentação. Eles veem todo mundo na escola com um chinelinho bom, numa camisa boa, um bonezinho, tendo uma mochila boa e eles não têm.
Eles veem nisso, muitas vezes, o tráfico como o primeiro emprego, como uma oportunidade de ganhar o dinheiro deles, até para comer.
E eu quero muito mostrar o outro lado. Eu já faço isso a minha vida toda. As vezes me pergunto: “Como você luta há mais de 30 anos pela vida dos filhos dos outros e o seu filho se perdeu?”.
Quando meu filho tinha 21 anos, ele escolheu o tráfico de drogas. Não usava drogas, não bebia e se envolveu com o tráfico. Ficou dois anos e oito meses e foi assassinado. Hoje, eu faço vários projetos. Festival de Pipa pela Paz, Caminhada pela Paz.
Eu faço tudo o que posso e o que não posso, para dar oportunidade às crianças e aos jovens, para não se envolverem na criminalidade.
Devido em nossa região hoje imperar o tráfico de drogas, um jovem que é de um bairro não pode transitar no outro. Eu levo projetos itinerantes para essas comunidades.
Pego uma garagem, um terraço, eu tento parceria com igrejas, para três meses eu colocar o curso de barbearia lá, para colocar o curso de manicure, para colocar o curso de garçom, para poder levar o curso até as pessoas, porque elas têm dificuldade e não podem transitar em outro bairro da comunidade.
Gostaria de dar mais emprego, de poder cuidar mais das crianças e dos jovens. Queria muito botar mais projetos para elas, queria muito poder dedicar mais tempo para elas não se perderem.
Sei que não tem nada a ver comigo. Que é com o poder público, mas como presidente da Associação, eu queria que minha comunidade tivesse dignidade. Porque minha comunidade não tem uma rua asfaltada. Que tenha saneamento básico, que tenha asfalto, que tenha uma praça.
Minha comunidade não tem uma quadra. Hoje as crianças brincam na rua, correndo risco de serem mortas. Porque quando eles chegam do bairro inimigo, eles tiram a vida de criança que saiu seis horas da manhã para buscar o pão para a mãe.
Queria poder dar essas oportunidades. O sonho das crianças da minha comunidade era ter uma área de lazer e eu queria poder dar isso para elas.
Qualquer forma que puderem ajudar eu agradeço. Com trabalho físico, com doações, divulgando nosso trabalho, falando do nosso trabalho com as pessoas. Isso já nos ajuda muito.
Às vezes a pessoa não tem condições de doar nada, nem de fazer o trabalho, por causa da correria louca que a gente vive. Mas ela pode divulgar, ela pode compartilhar um link, ela pode falar do nosso projeto, do que a gente realiza. Ajudar a gente nessa divulgação é muito importante.
O que você teria a dizer para as mulheres, neste mês do Dia Internacional da Mulher?
Quero dizer para as mulheres para que elas acreditem mais na mulher. Que a mulher se una mais. Porque a mulher ainda não acredita nela mesma. A mulher tem o dom mais precioso, que é gerar uma vida.
A mulher é forte, é guerreira, mas ela ainda não é unida. A mulher, muitas vezes, prefere estar do lado de um homem, acreditar que o homem é capaz e não dá oportunidade para outra mulher, que está ali provando que é capaz.
Muitas vezes falta para a mulher dar a mão para outra mulher. O que falta é essa união das mulheres. Porque nós somos a maioria. Só que ainda falta muito a mulher se unir com outra mulher.
A gente sabe que somos capazes, mas ainda há muita desunião, muita mesmo. Por isso que a gente não consegue alcançar a todos os espaços. Os homens se unem, mas as mulheres não se unem.
Gostaria de dizer para cada mulher, que eu acredito que ela é capaz de transformar tudo o que ela quiser. Só o que falta é a nossa união.
E se ela tem vontade de fazer alguma coisa, se ela tem sonho de fazer alguma coisa, não é para pensar não. É para arregaçar as mangas e partir para cima, que ela vai conseguir.
Porque só quem nos para é aquele lá de cima. Só quem pode nos parar é Deus. Porque o restante, a gente faz e chega a qualquer lugar.
Carlos Mobutto | Jornalista da AZ
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