Entrevista Capitão Andresa: “Na nossa profissão temos igualdade de salários comparados aos homens, mas infelizmente não é a realidade de outras profissões”
O Dia Internacional da Mulher foi comemorado na última quarta-feira (8) e o Consórcio de Notícias do Espírito Santo (CNES), por meio dos portais do grupo Política Capixaba, segue, durante todo o mês de março, enaltecendo a trajetória de vida de algumas mulheres inspiradoras, determinantes e representativas em seus campos de atuação.
A primeira entrevistada desta série especial do Mês da Mulher foi a Juíza Titular e Coordenadora de Enfretamento da Violência Doméstica, Hermínia Azoury, seguida pela Deputada Estadual e mulher mais votada da história do legislativo capixaba, Camila Valadão (PSOL).
A próxima entrevista é com a representante do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo, Carla Andresa Nascimento Silva ou simplesmente, Capitão Andresa, que ingressou na corporação como soldado, em 2009.
Hoje, com 35 anos, ela é a responsável pela Comunicação Social do órgão, que tem um efetivo total de 1.221 militares, sendo 139 do sexo feminino.
Capitão Andresa conversou sobre sua paixão pela profissão, sobre a dedicação e a disciplina da vida militar, além de expressar sua convicção de que as mulheres podem e devem ocupar o espaço que quiserem na sociedade.
Confira a entrevista:
Conte um pouco da sua trajetória no Corpo de Bombeiros.
Tenho 14 anos de corporação. Ingressei como soldado em 2009. Foi o primeiro concurso que fiz. Estava terminando a faculdade de farmácia e não imaginava que eu passaria. Depois que passei no concurso e entrei no Curso de Formação de Soldado me apaixonei pela profissão.
Com o intuito de crescer na carreira, prestei o concurso de oficial e ingressei no Curso de Formação de Oficiais de Minas Gerais em 2014, concluí o curso em 2017 alcançando a 1ª colocação geral entre os militares de Minas Gerais e Espírito Santo, feito nunca alcançado antes por uma mulher.
Sempre gostei de atividades físicas e sou uma pessoa aventureira então me adaptei muito bem à profissão. Os principais desafios no início foram a adaptação ao militarismo, na minha família nunca teve militar, e o curso de formação em si, muitas matérias operacionais, provas teóricas e práticas, associadas a escalas de serviço.
O desafio de hoje é conciliar a minha profissão, atualmente na Assessoria de Comunicação, com a vida de mãe, esposa, dona de casa e estudante (estou fazendo mestrado em gestão pública na UFES e faculdade de educação física).
O ambiente militar já foi predominantemente masculino. Como era essa realidade quando a senhora começou e como é agora?
Não temos um percentual fixado em concurso para a entrada de mulheres na Corporação do Espírito Santo. Neste último Curso de Formação de Soldados (CFSd 2023), entrou um número recorde de alunas soldados. São 37 mulheres neste CFSd.
Atualmente, 11% do efetivo do Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo é composto por mulheres. No final do ano, com a conclusão deste CFSd, o percentual subirá para 12%.
Acredito que as mulheres estão em busca de mais espaço neste tipo de profissão (segurança pública) e a divulgação do concurso e estabilidade da profissão ajudam também no aumento da procura.
Conte em quais setores e atividades já atuou na corporação. Alguma ocorrência foi muito marcante? Já viveu alguma situação de medo, de risco?
Atualmente trabalho na Assessoria de Comunicação do CBMES (ASCOM), atendendo demandas de imprensa, gerencio as redes sociais oficiais, coordeno as solenidades da corporação, assessoro o comandante-geral. Mesmo trabalhando no administrativo, tiro um ou dois serviços de 24 horas no mês em atividade operacional, liderando as ocorrências de relevância na rua.
Como soldado, atuei por cinco anos na unidade de Marechal Floriano, trabalhando tanto no Resgate (ambulância), quando no Caminhão de salvamento e combate a incêndio.
Estudei por três anos em Minas Gerais, na Academia de Bombeiros Militar. Lá também tirava escalas de serviço operacional. Quando me formei oficial, a escolha do local de trabalho ocorre de acordo com a sua colocação no curso de formação, e como fui primeira colocada, pude escolher a vaga de Vila Velha, cidade onde eu moro.
Trabalhei em Vila Velha por quatro anos na função de oficial de operações. Um período de grandes aprendizados, tendo contato dia a dia com a tropa operacional.
A primeira ocorrência quando formei soldado foi marcante. Era domingo, dia das mães, e um carro bateu de frente com uma carreta na BR 262, infelizmente houve duas vítimas fatais no veículo pequeno, sendo um casal e a mulher estava grávida em estado bem avançado. Infelizmente, as vítimas já estavam em óbito quando chegamos.
Sobre o medo, em diversas ocorrências o medo se faz presente. Mas ele é importante para nos deixar em alerta, afinal trabalhamos a todo momento com gerenciamento de riscos.
Dentro do seu trabalho, a senhora já se sentiu desrespeitada, por ser mulher?
Nunca me senti desrespeitada. Desde o início, como soldado, até hoje, ocupando o posto de capitão, o Corpo de Bombeiros sempre foi, para mim, uma corporação acolhedora, que me respeita como profissional e como ser humano.
Sei que muitas mulheres vivenciam a invasão de seus espaços e o desrespeito por parte de superiores em seus ambientes de trabalho e isso é uma realidade que precisamos combater diariamente.
Como observa a situação das mulheres no mercado de trabalho e na carreira militar? O Corpo de Bombeiros também atua na vertente da conscientização da igualdade de gêneros?
O Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo prima pela equidade, respeito e valorização do trabalho das mulheres inseridas nas fileiras da Corporação. No ano passado, a corporação foi a primeira instituição da segurança pública do Estado a criar um grupo dedicado ao fomento de ações que promovam equidade entre homens e mulheres, criando a Comissão Permanente para Questões da Bombeira Militar (CPBM).
Na nossa profissão temos igualdade de salários comparados aos homens, mas infelizmente não é a realidade de outras profissões. Precisamos apoiar e lutar por essa igualdade de salário nas profissões.
Nós organizamos, todos os anos, eventos no dia da mulher. Temos uma viagem anual em comemoração, que é o encontro das Guardiãs do Fogo, para o qual o comandante-geral libera o efetivo feminino. Este ano iniciará no dia 16/03. Teremos um dia de palestras com participação de todas as militares do CBMES e outras profissionais da segurança pública, para discutindo diversos assuntos.
E com relação à carreira política, como foi sua trajetória até aqui? Como avalia sua participação nas últimas eleições e qual aprendizado pôde extrair dessa experiência?
Nas últimas eleições, preliminarmente, decidi vir candidata a deputada estadual. Posteriormente surgiu oportunidade de vir candidata a vice-governadora e aceitei.
Desenvolvi projetos de relevância na Corporação, como a formação da primeira brigada autista e a primeira brigada composta por jovens com síndrome de Down. Também dei continuidade à capacitação de famílias com o projeto Mãe Prevenida Vale Uma Vida. Assim, também apoio projetos na área de segurança pública voltados ao enfrentamento da violência e atendimento a emergências e desastres.
A participação na política abriu minha mindset para outras áreas. Tive a oportunidade de chegar mais perto da população. Eu gosto dessa proximidade atuando nos projetos e ocorrências do CBMES, mas estive próxima da população por outro ângulo. Vi de perto os pleitos, demandas e sofrimentos de grande parcela da população. Avalio a participação com um grande enriquecimento como profissional e ser humano.
Explique a relação entre seu trabalho como militar e suas propostas políticas. Já tem planos políticos para 2024?
Nossa relação de trabalho no CBMES está associado ao atendimento da sociedade capixaba, prestando o melhor serviço, salvando vidas e preservando bens. Isso independente de classe social, gênero, renda…
É o que fazemos, evitar danos à sociedade, melhorando a qualidade de vida do povo capixaba. A atividade que exerço na corporação está ligada a atividade política. Nesse sentido, o meu intuito sempre será desenvolver políticas pra melhorar a qualidade de vida da sociedade, independente de classe, segmento.
Neste momento estou empenhada nas atividades da assessoria de comunicação. Avalio que devido a isso, não é o momento ideal para pensar nos planos políticos.
E com relação à violência contra a mulher, a senhora tem propostas específicas nesse sentido? E com relação às propostas na área segurança pública?
Não sou candidata no momento, mas como cidadã e como bombeira militar, acredito ser uma agenda de extrema importância pra todos. Não só mulheres, mas para os homens também. No CBMES desenvolvemos ações nesse sentido. E como pessoa, procuro sempre aconselhar algumas mulheres, protegê-las, afinal esse assunto que está acima de candidatura política e permeia toda a sociedade.
Quais foram as principais influências femininas na sua vida? Que orientação ou recado daria para as mulheres, nesse mês em que se celebra o Dia Internacional da Mulher?
Minha inspiração de mulher é a minha mãe. Mulher forte, guerreira, que participou ativamente de todas as minhas vitórias, minha formatura da faculdade, do curso de soldado, do curso de oficial. Infelizmente faleceu há quase dois anos de um câncer bem agressivo.
Recado: busquem os seus sonhos. Persistam! As dificuldades vão aparecer, mas não desista! Somos fortes! Com garra e dedicação conseguimos ocupar o espaço que quisermos.
Carlos Mobutto | Jornalista da AZ
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