Justiça para vítimas de acidentes de trânsito é uma luta contínua

Justiça para vítimas de acidentes de trânsito é uma luta contínua

Familiares de pessoas mortas em decorrência de acidentes de trânsito relataram a dor da perda e da impunidade

Imagens e nomes de pessoas que morreram no trânsito estampando camisetas e faixas. Vozes explicando que a luta é por justiça, e não por vingança. Com forte crítica e sentimento de impunidade, familiares e autoridades estaduais discutiram, em reunião da Frente Parlamentar (FP) de Prevenção e Defesa das Vítimas de Acidente de Trânsito, a dor do familiar que fica.

O colegiado é presidido pelo deputado Coronel Weliton (PRD). O parlamentar abriu o debate nesta quarta-feira (22) explicando que a FP foi criada para dar voz às famílias que convivem com “as mazelas do poder público em relação ao tema”. O político destacou que os índices são alarmantes e as causas são as mais absurdas possíveis, deixando diversos tipos de sequelas após “a retirada repentina das pessoas de nossas vidas”. “O Estado (poder público) não está sendo competente. Não é culpa do governador, mas é uma cultura do Estado Brasileiro”, sentenciou.

Irmã, pai ou mãe. Os familiares que fizeram uso do microfone apresentaram o mesmo grito. Um grito de dor e de luta, um grito por justiça, empatia e crítico à falta de resposta do poder público e a da própria sociedade para tal violência, uma das que mais matam no Brasil.

Fotos da reunião

Isaías, pai de uma vítima, luta há 10 anos a pauta da violência no trânsito. “Tenho feito um trabalho solitário. Nós, familiares de vítimas, não temos visibilidade para nossas ideias e nossas dores”. Segundo relatou, as palestras que já realizou funcionaram por um tempo como terapia e a principal luta para famílias impactadas está além do desejo de justiça.

“Nossa luta hoje não é mais sobre justiça, porque ela é falha. Diversos fatores fazem com que tudo trabalhe contra nós. Quando há um acidente você depende da Polícia Civil, da Polícia Militar, do socorro, do resgate, da testemunha, do delegado, do escrivão e do promotor… Qualquer um desses pilares que falhar abre uma brecha na Justiça para que sejamos derrotados”, explicou.

A falta de empatia no atendimento de uma delegacia ou de um IML; a rápida soltura da prisão de pessoas que provocaram os acidentes; a impunidade e a dúvida de quem, afinal, a lei favorece, depois que a vítima não vive mais para se defender ou muito menos continuar seus sonhos, deram a tônica dos testemunhos.

Dor não é coletiva

Para o advogado atuante na causa e vice-presidente da Federação de Automobilismo do Estado do Espírito Santo, Pablo Marçal, a situação é crítica, pois a dor caminha rapidamente para o esquecimento de qualquer coletividade.

“Quando acontece a perda no acidente de trânsito, muita gente vem abraçar, propor ajuda. Os dias passam e as pessoas vão diminuindo e, no final, resta aquele familiar clamando pelo mínimo de justiça com aquele advogado que está ali do lado com a mesma sensação de impotência por conta das questões processuais que muitas vezes demoram anos”, relata.

“O problema começa no dia do acidente, no dia da perda, mas se prolonga num efeito colateral que ninguém vê. Efeitos emocionais, psicológicos, famílias com separações, empresas que não vão mais adiante… As questões econômicas, porque o familiar perde a razão de viver, muitas vezes por conta de uma irresponsabilidade de quem sabia o que deveria saber e não fez”, complementou.

O delegado titular de unidade dedicada a trânsito na Polícia Civil, Maurício Gonçalves da Rocha, contou que por ter ficado um período afastado para se recuperar, após ser vítima de um outro tipo de crime que lhe trouxe sequelas físicas, toda vez que ele atende uma vítima de acidente de trânsito, conta a própria história. “Para que essa vítima que ficou com sequela e perda de movimento tenha força para continuar. Felizmente essa é a vítima que teve sorte, pois a vítima que falece, ela deixa só uma saudade, uma lacuna”.

Membro da Comissão de Direitos Trânsitos, Transporte e Mobilidade Urbana da OAB-ES, Jullian de Oliveira Rouver relatou que o advogado quando atende uma família vítima do acidente só terá capacidade de sentir um pouquinho daquela dor. “Ocupamos hoje um lugar mundial de um dos trânsitos que mais matam. Importante uma frente para estimular a educação, a prevenção”, elogiou.

Consciência e responsabilidade

“A mesma velocidade que encanta, ela mata e traz sequela, ela faz com que muitas vezes não enxerguemos a realidade”. A afirmação é do presidente da Federação de Automobilismo do ES, Robson Duarte. E a participação da entidade na reunião da FP leva em consideração que é um dever estatutário dela trabalhar na prevenção de acidentes. “Todos os nossos eventos trabalhamos a prevenção”. “O piloto é exemplo, ele jamais pode desrespeitar uma regra de trânsito, senão ele será banido”, explicou.

“Muitas vezes nos deparamos com eventos como ‘pegas de rua’, eventos irregulares no estado e sem qualquer segurança. Isso nos leva ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O artigo 67 é bem claro que toda prova tem que ter supervisão de uma federação, mas estamos vendo isso acontecer no ES de forma contrária, e assim só motiva o racha, o pega de rua, e aí voltamos a falar de prevenção”, alertou.

Já o subcomandante Major Valdir Jr, do Batalhão de Trânsito da PMES, defendeu que estado e sociedade precisam evoluir cada vez mais na fiscalização. Citou a realização de operações diárias de prevenção a casos de embriaguez ao volante. “Dedicação diária para tentar tirar de circulação os que bebem e dirigem (…), pessoas que insistem em desrespeitar a lei, desrespeito que na maioria das vezes atinge as pessoas que não têm nada a ver, pessoas que estão corretas, que estão se deslocando para ver um parente”.

Trabalhando há 27 anos com a temática trânsito, o atual subsecretário de Segurança Urbana da Prefeitura de Vitória, Hélvio Souza Alves Júnior, destacou que a imprudência dos condutores exige respostas mais fortes. Ele exemplificou citando casos de motoristas de caminhões pesados fazendo ultrapassagens erradas, consumindo bebida alcoólica e até mesmo cocaína visando desempenho. Para o policial rodoviário federal licenciado, educação para o trânsito deveria ser um assunto regular nas escolas.

“Me surpreende a quantidade de acidentes numa cidade igual a Vitória. Às vezes você vê a foto de um carro capotado e não imagina como o condutor conseguiu se envolver num acidente em ruas que não dá pra aplicar tanta velocidade. A gente vê grupos de WhatsApp avisando sobre blitz”, criticou.

Também representando a gestão da capital, o gerente de Operações e Fiscalizações no Trânsito da Guarda Civil Municipal, Marcelo Paraguassu Pires, salientou que a necessidade de mudar o comportamento de todos envolvidos no trânsito esbarra principalmente na própria sociedade. “O esforço legal ele ocorre, mas ele está sendo insuficiente. O próprio Maio Amarelo joga a responsabilidade para a pessoa, mas não consegue conscientizar”, lamentou.

Detran

Em março de 2024 o trânsito matou mais do que aqueles crimes que costumam chocar mais a sociedade. A informação foi destacada pelo gerente de Fiscalização de Trânsito do Detran, Jederson Carvalho Lobato, que apresentou a reestruturação do órgão nos últimos anos com diretoria e gerência próprias para a questão de acidentes.

“Nós observamos, em março deste ano, que tivemos mais óbitos no trânsito do que homicídio doloso. Foram 82 pessoas que perderam a vida em sinistros enquanto 81 perderam por homicídio. É uma violência que precisa ser discutida”, citou.

Lobato citou o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que tem por meta reduzir em 50% os números até 2030. “Uma meta palpável, com ações efetivas que envolvem toda a sociedade e todos os níveis de Estado”. Também explicou a utilidade do Observatório Estadual de Trânsito.

“Tem como objetivo trazer luz a dados. Integrar dados da saúde, da segurança, da PRF, para que a gente consiga estudar esse fenômeno que é multicausal, que tem comportamento, tem qualidade de via, tem a própria idade da frota, a qualidade dos veículos que estão circulando (…) Tudo isso acarreta em todos esses dados e esse sangue de fato nas estatísticas”, apontou.

Fonte: Assembleia Legislativa