Uma eleição marcada por intervenções nacionais

Uma eleição marcada por intervenções nacionais

Há quem diga que essa eleição será a mais importante desde a redemocratização. Outros, que será um pleito conturbado, por conta da polarização. Mas, os observadores mais atentos, que têm acompanhado o desenrolar dos bastidores desde o início do ano, não têm duvida: não há precedentes, na história da política capixaba, de tantas interferências nacionais numa só eleição como nesta.

As imposições, de cima pra baixo, forçaram alianças improváveis, mudaram o comando de partidos e retiraram candidaturas já lançadas. Os atropelos têm sido tão constantes e o clima é tão instável que ninguém se arrisca a dizer que o martelo já está batido e que não ocorrerão mais mudanças até a campanha começar (próximo dia 16). Não à toa, a ata da convenção de muitos partidos está aberta.

Rifados no jogo

A última dessas interferências ocorreu na semana passada, com o Podemos negando a legenda para Coronel Ramalho disputar o Senado. Na carta que divulgou justificando a decisão, o Podemos afirma que “o assunto foi levado para a esfera nacional do partido”, que teria sinalizado que a prioridade seria eleger deputados federais.

No Estado, o presidente do Podemos capixaba, Gilson Daniel, teria garantido que Ramalho disputaria o Senado nem que fosse numa candidatura avulsa, segundo o coronel da PM. Mas, na última quarta-feira (03), o partido negou a possibilidade para poder fechar com a coligação do governo que tem a senadora Rose de Freitas (MDB) como candidata ao Senado.

Ramalho não foi o único a ter a candidatura retirada. O caso mais emblemático é do ex-prefeito Sergio Meneguelli (Republicanos) que também foi rifado pelo partido, às vésperas da convenção da legenda. O presidente da Assembleia, Erick Musso (Republicanos), que era pré-candidato ao governo, ficou no lugar de Meneguelli e alegou que a decisão de retirar o ex-prefeito da disputa majoritária foi da cúpula nacional.

Na convenção do partido, indignado, Meneguelli desabafou, afirmando que foi retirado a pedido de Bolsonaro para beneficiar o ex-senador Magno Malta (PL), que também está na corrida pela vaga de Senado. Meneguelli representaria risco ao ex-senador por estar, segundo as últimas pesquisas, empatado com ele. Meneguelli agora consta na lista dos candidatos à Assembleia.

Outra decisão não tão traumática mas bastante dolorida para a militância petista foi a retirada da pré-candidatura ao governo do senador Fabiano Contarato. Assim como Meneguelli, Contarato também estaria pontuando bem nas pesquisas (empatado com Carlos Manato, do PL, em segundo lugar), o que mostraria uma candidatura viável.

Porém, por conta da coligação nacional entre PT e PSB, que mexeu nos tabuleiros estaduais de todo o país, o PT capixaba teve de abrir mão da candidatura própria para apoiar a candidatura à reeleição do governador Renato Casagrande (PSB). Por conta da mesma coligação, o PT também recuou no lançamento de uma candidatura própria e avulsa ao Senado.

Casamentos na delegacia

Nacionalmente, Psol e Rede selaram uma federação e vão caminhar juntos por quatro anos. Até aí tudo bem, até porque os dois partidos são de esquerda, declararam apoio a Lula e tem posições ideológicas parecidas. Porém, no Espírito Santo é diferente.

O maior nome da Rede no Estado é o ex-prefeito e candidato ao governo Audifax Barcelos, que se declara conservador e tem um perfil mais voltado para a centro-direita. Ele também disse que não vai se envolver no debate nacional.

Por esses motivos, a união com a Rede não foi bem aceita pelo Psol, que também alega a falta de debate da cúpula nacional com os estados sobre a decisão de fechar a federação. O Psol não participou do lançamento da pré-candidatura ao governo de Audifax e nem da convenção que confirmou as candidaturas da federação. O Psol tem um nome ao Senado (Gilbertinho Campos), mas deve fazer uma campanha avulsa, já que não tem apoio para indicar o nome ao Senado oficial da coligação. E o partido deve passar bem longe do palanque de Audifax.

Também foi fechado entre as cúpulas nacionais, uma aliança entre a Rede e o Avante, partido que tem a candidatura ao Senado do pastor Nelson Júnior. Quando a aliança foi divulgada – afirmando ter sido uma decisão tomada pelo presidente nacional do Avante, Luís Tibé, com a porta-voz da Rede, Laís Garcia, e com Audifax, que é amigo de Tibé – o Avante capixaba se mostrou surpreso e, até o momento, nega que já tenha fechado com Audifax, embora as duas legendas estejam bem próximas. De todo modo, o “atropelo” da nacional trouxe ruídos e mal-estar para as lideranças do Estado.

Troca-troca de comando

Estava tudo certo para que o ex-senador Ricardo Ferraço fosse o presidente estadual do União Brasil capixaba assim que o novo partido se formasse. Ricardo estava à frente do DEM, partido onde também estavam seu pai, o deputado estadual Theodorico Ferraço, e a esposa dele, a deputada federal Norma Ayub.

Mas, o deputado federal Felipe Rigoni, recém-saído do PSB, também almejava ir para a sigla e não só para ser um simples militante: queria estar na cúpula do partido para viabilizar sua candidatura ao governo, o que não contaria com o aval de Ricardo. Nos bastidores, o ex-senador estaria tentando levar a sigla para apoiar Casagrande e viabilizar seu nome como vice na chapa.

O imbróglio foi levado para a cúpula nacional que deu “ganho de causa” para Rigoni. Ricardo perdeu o comando da legenda e a deixou, junto com a família. Por fim, Rigoni desistiu de ser candidato ao governo, vai disputar a reeleição à Câmara Federal e coligou com o Republicanos, que tem Erick na candidatura ao Senado.

O Agir também sofreu uma intervenção da cúpula nacional que retirou Ademar Rocha da presidência do partido no Estado e colocou Idalécio Carone, que é candidato ao Senado. A mudança no comando da sigla veio após um desentendimento entre os dois sobre a chapa majoritária.

Em junho, quando ocorreu a mudança, Ademar estaria levando o partido para apoiar a pré-candidatura ao governo de Erick Musso, mas Idalécio era contra. Ademar também não apoiava a candidatura ao Senado de Idalécio, que lhe tomou o partido com a ajuda da nacional.

Mas nenhum outro partido vem sofrendo tanta interferência quanto o Pros que, propositalmente foi deixado por último nesta análise – já que corria o risco de, do início da leitura da coluna até agora, o partido ter mudado de comando, de novo.

O Pros era comandado, até o ano passado, pelo ex-deputado Sandro Locutor, que já estava montando as chapas para as eleições desse ano e fazia parte da base aliada de Casagrande. Porém, o deputado Renzo Vasconcelos começou a flertar com a nacional do partido, que acabou tirando o comando de Locutor e dando para Kauê Oliveira, braço direito de Renzo.

A ideia era que na janela partidária, em março, Renzo mudasse para a legenda e disputasse a Câmara Federal, mas Locutor deixou o partido e levou seu grupo junto, o que inviabilizou a construção de uma chapa competitiva. Renzo foi para o PSC e Kauê declarou que o Pros iria apoiar a pré-candidatura ao governo de Erick Musso.

Nacionalmente, porém, os pauzinhos eram mexidos e, com a ajuda do Palácio Anchieta, o Pros voltou para a base do governo, tendo agora, o prefeito Luciano Pingo como presidente. O partido então declarou que apoiaria Casagrande à reeleição.

As movimentações continuaram e depois foi a vez de Audifax Barcelos anunciar que teria fechado aliança com o Pros, o que foi negado numa nota assinada por Pingo e pelo então presidente nacional, Marcus Holanda. O Pros marcou a convenção para o mesmo dia e local da convenção do PSB, para já selar lá a sua entrada na coligação do governo.

Mas, uma decisão do STJ mudou a presidência nacional que, por consequência, fez o Pros capixaba ficar sem comando. Dias depois, uma outra decisão da mesma Corte retomou a presidência de Holanda e, como fruto, trouxe de volta Pingo ao comando do partido. Conclusão: nesse momento Pingo é o presidente do Pros e o partido está com Casagrande. Mas não se sabe até quando.

A interferência da instância nacional nas decisões locais, principalmente em partidos que são comandados por comissões provisórias, não gera só instabilidade como tira também a autonomia e a credibilidade dos dirigentes estaduais e dos compromissos firmados, inclusive daqueles que são aprovados em votação pelos filiados. Sem contar que acaba enfraquecendo o partido e sua missão na sociedade. Como formar novas lideranças sem dar a garantia, por exemplo, de que elas poderão enfrentar as urnas? Após a eleição taí uma discussão (ou uma reforma) que precisa ser feita.

Fonte: Folha Vitória