Abuso sexual: audiência dá voz a crianças e adolescentes
Em audiência pública realizada pela Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Ales) na tarde desta da última sexta-feira (19) várias adolescentes alunas de escolas capixabas denunciaram abusos sexuais dos quais foram vítimas.
Uma delas relatou ter sido estuprada cinco anos atrás, quando tinha 12 anos, e que o crime foi praticado por um conhecido, “uma pessoa próxima”. Conforme a adolescente, em decorrência do trauma necessitou de atendimento psicológico e psiquiátrico, pois acabou ficando com depressão. “Eu tive muitas dificuldades para lidar com essa situação porque tinha medo e não tinha ninguém com quem conversar sobre isso”, acrescentou.
Outra estudante contou que quando estava no ensino fundamental uma colega de sala teve de abandonar os estudos devido a uma gravidez. “Quando houve boatos de que ela havia sido engravidada a gente se assustou com aquilo; quando estava no sexto ano, dois anos depois, encontrei essa ex-colega na calçada de uma rua empurrando um carrinho com bebê; aquela cena me fez ficar marcada novamente com a história dela”, lembrou.
A estudante disse que devido a esse fato ter sido impactante passou a se interessar pela temática de educação sexual e por leis que tratam dos direitos das crianças e dos adolescentes. “Descobri que é crime qualquer relação de adulto com menor de 14 anos, mesmo sem ato carnal, e ainda que com o consentimento dos pais”, acrescentou, ao enfatizar que é “muito triste” ver uma criança tendo que abandonar a escola por estar grávida.
Em outro relato, uma aluna adolescente revelou ter sido vítima de abuso sexual, mas não teve medo de denunciar. “Eu tive coragem de falar, então a coisa foi resolvida, mas fico triste porque conheço gente que também sofreu abuso (sexual), mas não tem coragem de contar”, lamentou.
Uma estudante, que também relatou ter passado pela dor do abuso sexual, compôs um poema que foi declamado durante o encontro, no qual fez homenagem à memória do crime que vitimou, há meio século, a menina Araceli Crespo, estuprada e assassinada em Vitória em maio de 1973, após sair da escola, quando tinha apenas oito anos de idade.
Educação sexual
Boa parte dos estudantes que se manifestaram durante o debate lamentou o fato de as escolas não discutirem o tema e defendeu que haja educação sexual no currículo escolar.
Uma aluna da Serra relatou que no município uma professora de português foi demitida ao tentar tratar do assunto numa sala de aula do sexto ano, devido a preconceito sobre o tema. “Os alunos começaram a denunciar, falando que ela estava ensinando coisas erradas, e com isso ela teve de sair da escola”, citou.
Outra estudante considerou que muitos pais têm preconceito porque acreditam que educação sexual é para ensinar a fazer sexo, quando na verdade, pontuou, se trata de ensinar aspectos como não praticar sexo em idade precoce, além da importância do uso de preservativos nas relações.
Autoridades
As revelações das estudantes vítimas de abuso e violência sexual provocaram considerações de autoridades presentes na audiência pública. A proponente da audiência, deputada Camila Valadão (Psol) destacou a importância de os jovens ocuparem os espaços de poder para discutir os temas de seu interesse. “Ouvimos aqui muitas coisas compartilhadas, muitas dores, mas também muita força que nos motiva a continuar no trabalho em busca de mudar essa realidade”, declarou.
A deputada citou que tem denunciado perseguição contra professoras que tentam discutir educação sexual em salas de aula, pois avalia que esse tipo de educação contribui de forma preventiva para que meninas e meninos não sejam expostos ao abuso e violência, sabendo, por exemplo, distinguir carinho de abuso.
“Estamos lutando também para fortalecer os conselhos tutelares e para implantar o plano estadual dos direitos da criança e do adolescente, além da reestruturação da pasta dos direitos humanos e de melhorias na delegacia da criança”, anunciou.
Mais participação
A professora Maria Emília Passamani, representante do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, diante da plateia de estudantes que lotou o Plenário Dirceu Cardoso, defendeu a realização de mais eventos com a participação das crianças e dos adolescentes. “Precisamos dar voz ao público infantojuvenil, eles têm o direito de nos dizer o que eles anseiam e de abrir os seus corações falando de suas dores”, observou.
Maria Emília afirmou que é preciso cobrar do poder público e da sociedade políticas e ações intersetoriais para o enfrentamento de todos os tipos de violência e abuso contra as crianças e os adolescentes.
A presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Keila Bárbara Ribeiro da Silva, ao reforçar a fala de Maria Emília, justificou, citando números, a necessidade de união das mais variadas esferas de poder para a proteção do público infantil.
Segundo ela, pesquisas apontam que no Brasil apenas sete em cada 100 casos desse tipo de crime são notificados. “O Brasil é o segundo no ranking mundial em exploração sexual infantil, ficando atrás apenas da Tailândia; é também um dos países onde mais há registro de casamentos de crianças e adolescentes”, registrou.
Prostituição infantil
A coordenadora estadual do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Mirtes Silva, explicou que há no Brasil 93 tipos de trabalho infantil, um dos mais perversos é a exploração sexual. “Temos desenvolvido, com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), um mapeamento de áreas vulneráveis nos municípios onde há esse tipo de exploração sexual para ajudar no enfrentamento a esse tipo de crime, atuando com denúncias e de forma preventiva”, disse.
Mirtes explicou que as ações do Peti, que está presente em todos os municípios capixabas, envolve a colaboração em ações multidisciplinares, envolvendo educação, saúde, esportes, lazer, cultura, no sentido de unir forças para retirar o público infanto-juvenil de vulnerabilidade que possa tornar crianças e adolescentes vítimas de trabalho infantil.
Camila Doria Ferreira, representante da Defensoria Pública Estadual (DPE-ES), afirmou que o fortalecimento da rede de proteção da criança e do adolescente passa pela ajuda das escolas, dos serviços de saúde, da área de segurança pública e dos conselhos tutelares. “Os serviços de saúde precisam ampliar as atividades psicossociais e a assistência prestada pelo Pavive (Programa de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual)”, defendeu.
Estatísticas
Durante a audiência pública, a deputada Camila Valadão citou dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) sobre a violência infantil no Espírito Santo.
Conforme os números citados, entre janeiro e abril deste ano o estado registrou 1.806 denúncias de violência e exploração sexual de crianças e adolescentes, sendo 63% das vítimas do sexo feminino. As estatísticas superam os casos registrados no primeiro quadrimestre de 2022, quando houve um total de 1.727 boletins de ocorrência.
A Grande Vitória lidera o número de ocorrência registrado pela polícia capixaba, sendo que o município da Serra tem a maior incidência de casos: 219.
Fonte: Ales.
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