ADI 5322 e os avanços na proteção jurídica do caminhoneiro celetista: Reflexos sobre a Lei dos Caminhoneiros

Por João Dallapiccola
A publicação do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5322, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe significativas alterações na Lei nº 13.103/2015, conhecida como Lei dos Caminhoneiros. As mudanças reforçam a proteção aos direitos trabalhistas dos motoristas profissionais contratados sob o regime celetista e representam um marco no reconhecimento da dignidade dessa categoria essencial à economia nacional.
É oportuno relembrar que a relevância dos caminhoneiros ficou ainda mais evidente durante a paralisação da categoria, ocorrida em 2018, a qual impactou diretamente diversos setores produtivos do país. Tais profissionais, que passam longos períodos afastados de suas famílias e enfrentam condições laborais muitas vezes adversas, agora contam com novas garantias legais que visam resguardar sua saúde, segurança e dignidade no trabalho.
Antes da decisão do STF, o tempo de espera — período em que o caminhoneiro permanecia aguardando carregamento, descarregamento ou fiscalização de mercadorias — possuía natureza indenizatória e era remunerado com adicional de apenas 30%, não sendo computado como tempo à disposição do empregador nem integrando o salário.
Com a declaração de inconstitucionalidade parcial da norma pela ADI 5322, o tempo de espera passa a ser considerado como tempo efetivamente à disposição da empresa, com natureza salarial, devendo ser remunerado como hora extra, com adicional de no mínimo 50% sobre o valor da hora normal, conforme previsto no artigo 7º, XVI, da Constituição Federal.
Outra modificação relevante diz respeito à jornada em regime de revezamento. Anteriormente, era permitido que um motorista descansasse enquanto o outro conduzia o veículo, mesmo com o caminhão em movimento. Essa prática foi considerada inconstitucional pelo STF, sob o fundamento de que não configura repouso efetivo o descanso realizado com o veículo em deslocamento.
A Corte determinou que o repouso mínimo de seis horas deve ocorrer com o veículo estacionado, seja em alojamento adequado ou em cabine leito, garantindo ao trabalhador as condições mínimas de recuperação física e mental. Ademais, se durante esse período o motorista estiver vigiando o veículo, carga ou acessórios, ou seja, se não estiver em plena liberdade para dispor do seu tempo, este deverá ser computado como tempo à disposição do empregador.
Para os motoristas que realizam viagens superiores a sete dias, a decisão do STF também trouxe importantes alterações. Foi declarado inconstitucional o dispositivo que permitia o gozo do repouso semanal somente após o retorno à base da empresa ou à residência do empregado, bem como a acumulação dos descansos semanais compensatórios.
Agora, é assegurado ao caminhoneiro o direito ao repouso semanal de 24 horas, somado ao descanso diário de 11 horas, totalizando 35 horas consecutivas de descanso por semana trabalhada ou fração equivalente, ainda que em trânsito, desde que o veículo esteja estacionado e haja condições adequadas para repouso.
Foi também invalidada a previsão legal que autorizava o fracionamento do descanso diário em períodos alternados ou a coincidência do descanso com paradas obrigatórias do veículo. O STF firmou o entendimento de que o intervalo de 11 horas deve ser cumprido de forma contínua, dentro das 24 horas de jornada, sob pena de comprometer a integridade física e mental do trabalhador.
No tocante à obrigatoriedade do exame toxicológico para motoristas profissionais, o STF julgou constitucional a exigência prevista na Lei nº 13.103/2015, considerando que se trata de medida legítima voltada à proteção da vida, da saúde do trabalhador e da segurança no trânsito, em consonância com os princípios da prevenção e da precaução aplicáveis às normas de saúde e segurança do trabalho.
Em conclusão, as mudanças decorrentes da ADI 5322 refletem uma guinada importante na legislação que rege a jornada de trabalho dos motoristas profissionais celetistas. Ao reconhecer o tempo de espera como período efetivo de labor, ao garantir o repouso em condições adequadas e ao impedir práticas que colocavam em risco a saúde dos trabalhadores, o STF reafirma seu compromisso com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho.
Tais avanços não apenas fortalecem os direitos individuais da categoria, como também promovem mais segurança nas rodovias brasileiras, beneficiando toda a coletividade. Cabe agora às empresas transportadoras adequarem-se ao novo cenário jurídico, adotando políticas de jornada que estejam em conformidade com os preceitos constitucionais e com a jurisprudência da Suprema Corte.
Matéria escrita em conjunto com a Doutora Leandra Torres Advogada

Advogado há 39 anos, especializado em direitos sociais e graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é pai orgulhoso e avô realizado, com uma trajetória marcada pelo compromisso com a justiça e a ética profissional.