Assembleia Legislativa: código civil brasileiro completa 20 anos

Assembleia Legislativa: código civil brasileiro completa 20 anos

Lei demorou a ser aprovada, mas trouxe progresso na normatização das relações civis, aponta procurador-geral da Ales, Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas

Há 20 anos, em janeiro de 2002, o Novo Código Civil (Lei Federal 10.406/2002) foi sancionado, após quase três décadas de tramitação no Congresso. Ele não entrou em vigor de imediato, mas um ano depois, em janeiro de 2003.

O Código Civil reúne as normas que determinam os direitos e deveres das pessoas, dos bens e das suas relações no âmbito privado. A lei de 2002 veio para substituir a de 1916 (Lei Federal 3.071/1916).

Após quase 90 anos em vigor, o texto já não se adequava ao contexto político e social pós-Constituição de 1988.  É o que acredita o procurador-geral da Assembleia Legislativa (Ales), Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas:

“O Código Civil de 1916 foi o primeiro Código Civil brasileiro. Desde sua edição e no curso de sua vigência, o país passou por organizações administrativas muito diferentes e complexas, tais como a República Velha, o Governo Provisório, a Era Vargas e a Ditadura Militar”, comenta.

“Nesse contexto, o Código Civil de 1916 permaneceu vigente durante todo o período e sob a égide das diferentes e respectivas constituições”, contextualiza o advogado, que tem experiência nas áreas de Direito Civil e Público e é mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais.

“O mesmo Código Civil, portanto, funcionou para a República Velha, para a Ditadura e, durante um tempo, para a atual Constituição de 1988. Isso certamente foi um problema. Em que pese as alterações inseridas no Código de 1916 ao longo de todos esses anos, é fácil concluir que ele não se amoldava à Constituição Federal atual, de 1988. De uma forma geral, o Código Civil de 2002 trouxe como principal avanço a adequação das normas civilistas aos ditames da Constituição Federal”, explanou.

Principais avanços

Algumas alterações que o Código de 2002 trouxe estão relacionadas à igualdade de gênero. Uma simples modificação no texto, mas que representa uma evolução da sociedade desde 1916, por exemplo, foi a troca do termo “homem” por “pessoa” já no primeiro artigo da lei (“Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”).

Para o procurador-geral da Ales, o novo código passa a “conferir expressamente para as relações de Direito Civil um ambiente igualitário quanto à participação das mulheres, extirpando a posição adotada no texto do Código Civil de 1916 de submissão em relação ao homem, bem como o pensamento patriarcal e machista do antigo Código Civil”, opina.

Outro avanço, de acordo com o especialista, foi que a lei passou a “prestigiar os indivíduos e seus direitos basilares colocando-os acima das questões meramente patrimoniais no que tange às relações jurídicas”.

Progresso

É importante lembrar que o Código Civil de 2002 foi debatido no Congresso por muitos anos antes de ser aprovado. Devido a essa demora, alguns especialistas acreditam que ele já entrou em vigor desatualizado. Outros creem que a forma como ele foi redigido é adaptável a diferentes realidades e interpretações. Para Teixeira de Freitas, a tramitação foi realmente muito demorada, mas ao longo da discussão, várias modificações foram feitas.

“De fato, o Código Civil levou muito tempo entre a apresentação do projeto e sua sanção. Foram 27 anos de trâmite. É indiscutível que levou mais tempo do que deveria e, por isso, dizemos que já ‘nasceu velho’”, comenta.

“De todo modo, é importante compreender que, nesse longo processo legislativo, foram inseridas alterações justamente para melhorias, modernização e adaptação do texto. E, já sob a vigência da Constituição atual, de 1988, vivemos uma grande estabilidade político-jurídica, se compararmos com períodos pretéritos”, salienta.

O procurador destaca, ainda, que a hermenêutica jurídica, que é o estudo e desenvolvimento de métodos e princípios de interpretação da lei, também contribui para que a legislação se adeque a diferentes contextos:

“O sistema normativo brasileiro, que prioriza a positivação (o texto escrito), deve sempre lançar mão de mecanismos hermenêuticos na aplicação da lei. A utilização da adequada técnica de interpretação do texto e, com isso, sua adaptação à Constituição e aplicação ao caso concreto, é fundamental para que a lei seja corretamente aplicada”, explica.

“Em suma, portanto, há de se concluir que, realmente, o Código Civil de 2002 teve uma tramitação muito demorada, que, por consequência, gerou um efeito ruim: a norma já surgiu parcialmente defasada. Entretanto, considerando o sistema brasileiro e os hermenêuticos, o Código Civil de 2002 propiciou, sim, um considerável progresso e resultou, inegavelmente, em atualização normativa das relações civilistas”, opinou.

Mudanças ao longo do tempo

Além de ter passado por modificações ao longo do processo de tramitação, o Código Civil também sofreu mudanças nesses últimos 20 anos. Foram mais de 50 normas publicadas alterando a lei original. Entre as principais, Rafael Teixeira de Freitas destaca aquelas ligadas às relações familiares:

“De uma forma geral, as mudanças mais consideráveis, no meu sentir, foram aquelas afetas ao direito das famílias, tais como as que reconheceram o casamento entre pessoas do mesmo gênero, as que regulam a guarda compartilhada, a recente alteração da proibição de casamento para menores de 16 anos (em 2019), o aprimoramento do conceito de poder de família e das situações de sua perda, entre outros”, ressalta.

Algumas das propostas que alteram o Código Civil e tramitam, atualmente, no Congresso tratam de divórcio consensual (Projeto de Lei do Senado 2.569/2021, que amplia as hipóteses de realização do divórcio, separação e fim da união estável consensuais e possibilita a alteração do regime de bens, todos pela via extrajudicial); e direito dos animais (Projeto de Lei da Câmara 27/2018, que cria regime jurídico especial para os animais e diz que os animais não podem mais ser considerados “bens móveis”).

Para o futuro, caso um novo Código Civil seja elaborado, o advogado acredita que é preciso rever questões relacionadas ao direito empresarial. “O aprimoramento das disposições sobre o direito de empresas precisa ser revisto. Há muito o que ser atualizado para que o texto se adapte às novas dinâmicas das relações empresariais a ao desenvolvimento tecnológico. Entendo, inclusive, que o tema deveria ser tratado em código próprio, dadas as suas peculiaridades”, aponta.

 

Reprodução Ales