Caravana investiga violações de direitos em Linhares
Reparação de danos a pescadores, assentados e outros atingidos pela lama tóxica do Rio Doce foi uma das reivindicações recebidas pela Comissão de Direitos Humanos
Na quarta edição e primeira caravana de 2024, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa (Ales) foi até o município de Linhares para ouvir da população e dos movimentos sociais organizados várias demandas relacionadas à violação de direitos. O colegiado é presidido pela deputada Camila Valadão (Psol).
Assentados, jovens, mulheres, crianças e adolescentes, comunidade LGBTQIA+ participaram do evento. Nove anos após o rompimento da barragem da Samarco em Minas Gerais, a falta de respostas e os impactos atuais da tragédia ambiental na vida de diversas comunidades revela a falta de políticas para as minorias.
“Até hoje, faltam muitas coisas para serem feitas, tanto para os nossos pescadores, para os nossos atingidos, para a nossa comunidade e para o nosso município. Principalmente o órgão público que virou as costas para os atingidos e para os pescadores do município de Linhares. Então, aproveitando essa caravana para pedir mais apoio a essas pessoas que hoje sofrem com doenças (…). Alimentos impróprios, peixe impróprio, e nada se faz pelos direitos humanos do povo atingido pela lama”, alertou um dos pescadores presentes na reunião.
A reclamação sobre a água do Rio Doce também foi feita diversas vezes por representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) e de assentamentos. A qualidade questionável da água se somaria à falta de atendimento à saúde nos acampamentos, “um direito básico e a gente tem a negação dele”. Segundo depoimentos, vários moradores de uma comunidade apresentaram o mesmo problema de pele e, ao reclamarem, receberam a explicação de que seria psoríase, uma patologia crônica e não contagiosa, gerando, assim, desconfiança quanto à veracidade da informação.
Impedidos de pescar, produzir cacau e vendo “fauna e flora perdidas”, participantes da audiência pediram o fim da Fundação Renova, criada em 2016 para reparar danos socioambientais provocados pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco em Mariana (MG). Além disso, declararam repúdio à proposta mais recente de reparação apresentada pelas empresas Vale, BHP e Samarco e aos governos estaduais e federal.
“Reparação real seria de R$ 400 milhões e não 80 (…) a Vale está pegando o problema e passando para outros (governos). Somos a favor do fim da Renova, mas isso não quer dizer que queremos um acordo de repactuação a Deus dará”, criticou um dos representantes do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Heider Boza.
Boza considerou como absurda a negligência do Estado para com a Lei Federal 14.755/2023, que instituiu a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). “Que a Renova, a Vale, a BHP, não respeitam nem os direitos humanos, nem a Constituição Brasileira, isso a gente já sabe, e não espera nada dessas empresas mesmo. Agora, o governo do Espírito Santo, as promotorias todas, o governo federal, têm sim que respeitar a lei”, cobrou.
Mais violações
A cada aparte na audiência pública, os moradores apresentaram e acusaram traços de violações de direitos humanos que seriam históricos na cidade: violência contra a mulher; abuso sexual contra crianças e adolescentes; violência contra a comunidade LGBTQIA+; processo de privatização das conhecidas lagoas da cidade; falta de políticas de cultura e lazer para as mais diversas juventudes, para idosos e para pessoas com deficiência.
Mesa
“Quando a gente fala de direitos humanos, nós estamos falando dos nossos direitos fundamentais. Poder comer dignamente um alimento saudável. Dificuldade de acesso à água, e isso a gente já ouviu desde ontem em alguns territórios aqui no município, nós estamos falando de uma violação de direitos humanos. Quando a gente não tem a garantia do acesso à habitação ou à terra para produzir e plantar, a gente também está falando de violação de direitos humanos. Quando a gente se depara com uma pessoa idosa, que não tem a sua dignidade garantida dessa fase da vida, ou sofre violências físicas, patrimoniais, psicológicas, a gente também está falando de violação de direitos humanos”, elencou a deputada Camila Valadão.
Para o vereador Professor Antônio Cesar (PV), o debate sobre direitos humanos é uma premissa do Legislativo, ainda mais quando há omissão do Estado na execução de garantias. “Sempre falo aos meus estudantes que o Legislativo tem essa função de arejar o debate da esfera pública, trazer para o espaço institucional aquelas demandas, aqueles questionamentos que atravessam o dia a dia das pessoas. Então, se não for através do Legislativo, talvez muitas das questões das dores que serão trazidas aqui, talvez permanecessem encobertas”, afirmou.
Fechando a mesa de autoridades, a promotora de Justiça na cidade e subcoordenadora de Direitos Humanos da Região Norte do Espírito Santo, Graziella Gadelha, frisou que defender os direitos humanos é “falar de proteção da sua condição, da sua dignidade, é o mínimo existencial, que são esses direitos vulnerabilizados, muitas vezes pelo político e também pela sociedade”.
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