Cipe Rio Doce ouve autoridades e atingidos pela tragédia de Mariana
Sessão plenária debateu acordo que destina R$ 100 bilhões em novos recursos para reparação de danos causados pelo rompimento de barragem da Samarco em 2015
O novo acordo firmado na Justiça para reparar os prejuízos causados pelo rompimento em 2015 da Barragem de Fundão em Mariana (MG) foi o tema da sessão plenária da Comissão Interestadual Parlamentar de Estudos (Cipe) Rio Doce, realizada nesta segunda-feira (2), na Assembleia Legislativa (Ales).
Membros do Poder Judiciário, representantes das vítimas e deputados de Minas Gerais e Espírito Santo, estados impactados pela tragédia que atingiu o Rio Doce, debateram a repactuação do acordo anterior e o valor de R$ 100 bilhões em novos recursos para reparação de danos. A plenária foi conduzida pela presidente da Cipe Rio Doce, deputada Janete de Sá (PSB-ES).
O primeiro acordo foi assinado de 2016 e a repactuação dele, realizada há dois meses, se deu por meio do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) e do Termo de Ajustamento de Conduta relativo à Governança (TAC-GOV). O novo acordo prevê a aplicação de mais R$ 100 bilhões nos próximos 20 anos.
Nesse valor não está incluído o dinheiro que já foi gasto até o momento. Os novos recursos deverão ser repassados ao poder público pelas empresas envolvidas na tragédia. A barragem era de responsabilidade da Samarco, empresa controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton.
De acordo com o documento, assinado pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva (PT), do valor empenhado, R$ 40 bilhões serão destinados diretamente aos atingidos pelo desastre. Para a recuperação ambiental serão R$ 16 bilhões. Mais de R$ 17 bilhões serão gastos para fins socioambientais, atendendo indiretamente os atingidos e o meio ambiente. Para obras de saneamento e rodovias estão previstos R$ 15,6 bilhões. O restante será para os municípios afetados e aplicações institucionais.
Negociações
A promotora de Justiça do Espírito Santo e coordenadora do Grupo de Trabalho do Rio Doce, Elaine Costa de Lima, afirmou que esse é o maior acordo ambiental já firmado no mundo. “Foi um trabalho que começou em 2021. Pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), eu participei de mais de 440 reuniões (…) Todos os entes públicos, instituições de Justiça e as empresas sentaram à mesa para chegar nesses valores, que inicialmente, lá atrás, a primeira proposta das empresas foi de R$ 4 bilhões, que no final fechou-se num valor de novo dinheiro, que vai ser empregado em novas ações, de R$ 100 bilhões”, explicou.
“Na verdade, foram R$ 170 bilhões, porque são R$ 100 bilhões então para novas iniciativas; R$ 32 bilhões vão continuar de recursos, de obrigações que vão ser executadas pelas empresas, que isso inclui a parte das pessoas atingidas, isso inclui algumas medidas ambientais como a retirada do rejeito. Além disso, a própria Fundação Renova fala que ela também já gastou R$ 38 bilhões. Por isso que estima-se que o valor total seria de R$ 170 bilhões”, complementou a promotora.
Vítimas do desastre
Uma das categorias mais impactadas pelo despejo do rejeito de minério no rio foram os pescadores. O presidente do Sindicato Estadual de Pesca do Espírito Santo, João Carlos Gomes da Fonseca, popularmente conhecido como Lambisgoia, alegou que houve falta de diálogo com as vítimas da tragédia. “A repactuação foi construída e não teve a participação dos verdadeiros donos do espetáculo, que é o sofrimento dos atingidos. Nós tivemos perdas de vidas lá e nessa repactuação não tivemos voz”, lamentou o sindicalista.
“O governo tem que trabalhar pelo povo, não decidir pelo povo, entendeu? E essa decisão foi tomada assim de cima para baixo, sem a participação, sendo que o crime vai ficar (…) só favoreceu as empresas e os governos, entendeu? Pro atingido ficou simplesmente o resto do rejeito de lama para ele se sustentar, que vai ficar dentro da bacia do Rio Doce”, acrescentou Lambisgoia.
A promotora explicou como foi feito o acordo na Justiça. “Infelizmente a gente escuta, tem essa fala, de fato, como era um processo que foi conduzido pelo próprio Poder Judiciário, não coube às Defensorias e Ministérios Públicos a escolha de quem faria parte da mesa. Mas, como representantes das pessoas atingidas, Ministério Público e Defensorias, a todo momento a gente lutou, a gente ouviu, fez reuniões específicas com eles, teve algumas audiências públicas, então muito dos pleitos, por mais que nem todos estejam abrangidos dentro do acordo, mas muito dos pleitos das pessoas atingidas foram de certa forma contemplados dentro do acordo”, avaliou Elaine Costa.
“Como por exemplo uma nova possibilidade de indenização para as pessoas atingidas que até hoje não conseguiram receber suas indenizações. Pelo novo acordo, estima-se que de cerca de 300 a 500 mil pessoas vão poder receber agora uma indenização que antes não estava prevista, então é uma nova porta indenizatória residual que foi aberta para essas pessoas, e essa indenização vai variar de R$ 35 mil a R$ 95 mil para cada uma dessas pessoas, dependendo da categoria profissional que ela exerça”, completou a promotora.
A presidente da Cipe Rio Doce, deputada Janete de Sá, concordou com as vítimas, sobre a falta de diálogo com as pessoas diretamente envolvidas na tragédia. “Existe um descontentamento sim dos atingidos, porque não foi ouvido o atingido, ele não participou da mesa onde foi feita essa repactuação. As Assembleias Legislativas, as Câmaras de Vereadores, as prefeituras das principais cidades atingidas também não participaram. Então, não tem como haver uma repactuação que seja justa sem esses agentes, por isso ela vai dar problema”, opinou a parlamentar.
“Nós entendemos, inclusive, com uma dificuldade muito grande, de que não haver punição dos culpados é muito ruim, é um mau exemplo para o Brasil, a Justiça precisa mudar, precisa melhorar, isso foi evidenciado aqui. Como que para os atingidos que subiram na linha, que se manifestaram, teve punição, e para aqueles que são os reais culpados, criminosos por um acidente de largas proporções, jamais visto no Brasil, no Espírito Santo, um dos maiores do mundo, todos são inocentados”, questionou Janete.
Fiscalização e mobilização
“Então isso causa uma indignação muito grande e acaba também contaminando todo esse processo. Agora, é fiscalizar, buscar acompanhar, participar dos comitês de acompanhamento de todo esse processo, fiscalização e também buscar reparação para aqueles que não foram contemplados com essa repactuação. Buscar reparação, que seja individual, que seja coletiva, mas buscar essa reparação. Nós não desistiremos porque esse desastre é um desastre que trouxe uma ferida que ela não consegue cicatrizar enquanto não houver a justiça necessária”, concluiu a presidente.
O vice-presidente da Cipe Rio Doce, deputado estadual Leleco Pimentel (PT-MG), também ficou insatisfeito com a repactuação. “Eu diria que ninguém, em sã consciência, conhecendo as lacunas, as crueldades e a injustiça que ocorreu nesses nove anos, pode dizer que está feliz com o acordo. Nem o presidente Lula, que assinou, nós sabemos, porque ia prescrever. No entanto, as empresas eu desconfio que elas ficaram felizes, porque pode ser que nem desembolsem durante os 20 anos, porque continuam a lucrar e, olha, não tenho dúvida de que lucram, porque voltam a minerar, aumentam o capital e agora têm um atestado de idoneidade, porque a Justiça passou um recibo de injustiça pra sociedade”, afirmou o parlamentar.
“A repactuação vai ser dura, mas vai iniciar um processo que nós, enquanto deputados, parlamentares que não fomos ouvidos também, teremos que nos debruçar, porque é para gerações vindouras, não para a gente. Acabou com uma bacia, com o meio ambiente, com as pessoas que estão adoecidas, e são milhares. Não dá para aceitar este crime ser continuado e as empresas saindo como se agora estivessem fazendo favor. É impagável, R$ 100 bilhões é pouco”, acrescentou Leleco.
“Mas, para além disto, nós não acreditamos que o processo continue com a adesão dos atingidos, eles não devem assinar abrindo mão de direitos que devem recorrer à Justiça. Eu diria que é papel nosso fazer a formação para que as pessoas não assinem. Não aceitem migalhas e não assinem recibo, porque a consciência de cada um vai ser importante nesse processo de reparação. O Estado precisa assumir com verdade uma repactuação que leve a dignidade das pessoas para o centro e não o dinheiro”, finalizou o petista.
Também participaram da reunião os deputados Iriny Lopes (PT) e Lucas Scaramussa (Podemos), do Espírito Santo, e o deputado Adriano Alvarenga (PP), de Minas; os defensores públicos do Espírito Santo Pablo Farias Souza Cruz e Márcio Medeiros; o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, José Carlos Loos; e representantes das vítimas atingidas pelo desastre.
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