Ideologia de gênero: o desafio de equilibrar direitos sem impor visões

Ideologia de gênero: o desafio de equilibrar direitos sem impor visões

Por Renato Canuto

Poucos temas despertam tantas paixões e divisões quanto a chamada “ideologia de gênero”.

A expressão, embora usada com frequência em debates políticos e sociais, não possui definição jurídica nem constância em textos legais. Trata-se de um rótulo que emergiu para designar correntes de pensamento que entendem o gênero como construção social, desvinculando-o do sexo biológico. O problema é que, na prática, essa discussão vem ultrapassando o campo teórico e ganhando contornos de imposição ideológica.

O Estado brasileiro reconhece, de forma legítima, o direito de todos viverem com respeito e sem discriminação. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal assegurou às pessoas trans o direito de alterar nome e gênero no registro civil, de usar o nome social e de não sofrer discriminação.

Essas decisões, contudo, ainda que motivadas pelo princípio da dignidade humana, trazem um risco que precisa ser reconhecido: o de transformar o direito individual em poder de imposição sobre os demais.

Quando o “direito de ser” se converte no “direito de obrigar o outro a aceitar”, o equilíbrio constitucional se rompe. A dignidade humana não pode servir de pretexto para obrigar o coletivo a reconhecer como verdade absoluta aquilo que é percepção pessoal. A liberdade de um não pode significar o constrangimento de outro.

É nesse ponto que surgem excessos concretos e inaceitáveis, como a exigência de que pessoas biologicamente do sexo masculino utilizem banheiros femininos evidenciando o exagero e a perda do senso de proporcionalidade. O que deveria ser respeito transforma-se, muitas vezes, em constrangimento e o que deveria ser liberdade converte-se em coerção.

O debate se desvirtua justamente quando o discurso de tolerância passa a cobrar adesão obrigatória a conceitos e terminologias que nem todos compartilham. Assim, aquele que apenas deseja conservar suas convicções, sem agredir o próximo, passa a ser rotulado e hostilizado. A Constituição, no entanto, protege com igual vigor a dignidade e a liberdade de consciência. Não há hierarquia entre esses valores, ambos coexistem e se limitam mutuamente.

Ou seja, respeitar a diversidade não significa silenciar quem pensa diferente. É possível reconhecer direitos sem destruir valores, proteger minorias sem afrontar a maioria, garantir inclusão sem negar a realidade biológica. E o Estado deve atuar como guardião do equilíbrio, não como promotor de uma verdade única. A educação, por exemplo, deve promover o pluralismo e o respeito, mas jamais impor crenças ideológicas sob o disfarce de políticas pedagógicas.

O verdadeiro desafio do nosso tempo, portanto, é resgatar o equilíbrio perdido entre o direito individual e o senso coletivo. Defender o direito à diferença é essencial, mas essa defesa precisa caminhar lado a lado com o dever de respeitar quem não compartilha da mesma visão. Em uma sociedade livre, não há espaço para a imposição de pensamentos, sejam religiosos, políticos ou ideológicos.

Assim, a democracia se fortalece quando o diálogo substitui a imposição, e o respeito é mútuo. E o papel do Direito, neste caso, é garantir esse ponto de encontro, onde cada um possa viver conforme suas convicções, sem que sua liberdade se transforme em instrumento de opressão sobre o outro.

Em tempos de polarização, mais do que discutir o que é gênero, precisamos reaprender a conviver com o contraditório, com empatia, razão e respeito recíproco. Afinal, liberdade imposta deixa de ser liberdade e o respeito verdadeiro começa quando a coexistência é possível sem coerção.

 

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