O Dilema da segurança pública versus segurança promovida pelo particular

O Dilema da segurança pública versus segurança promovida pelo particular

Por Renato Canuto

No final de março, chamou atenção no Espírito Santo o caso de um comerciante, na capital Vitória, que decidiu instalar mais de 200 câmeras de segurança em sua região com o objetivo declarado de coibir crimes e registrar ilícitos, que se tornaram rotina diante da aparente inércia do poder público.

As imagens alimentavam um banco de dados próprio, com alertas em tempo real, compartilhando inclusive com grupos comunitários de denúncia. O caso veio à mídia após o cidadão ser notificado para remover os equipamentos por ausência de autorização e possíveis violações à privacidade.

O episódio expõe um binômio cada vez mais sensível no Brasil, a crescente substituição da segurança pública por soluções privadas e comunitárias. Entre o abandono e a autodefesa, cresce a tensão entre o direito à segurança, a privacidade dos indivíduos e o papel (ou ausência) do Estado.

Mas o que diz a lei? A Constituição Federal, em seu artigo 144, define que “a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.

Isso significa que a manutenção da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio compete prioritariamente aos entes federativos, entretanto, também é legítimo que cidadãos adotem medidas razoáveis de proteção individual e coletiva, desde que respeitando os limites legais, como o direito à imagem, à privacidade e as normas urbanísticas locais.

E é nesse ponto que o debate se aprofunda.

Se o Estado não cumpre seu dever constitucional de garantir segurança mínima, pode ele também impedir que a população busque formas de se proteger? O cidadão que paga impostos por um serviço, que muitas vezes não recebe, deve ser punido quando tenta suprir a ausência do Estado? As respostas, infelizmente, ainda estão no campo do desequilíbrio.

É certo que a proibição das câmeras se sustenta juridicamente, pois é de ordem legal, mas o ato revela um modelo de autoridade mais preocupado com a forma do que com a função.

Proteger a privacidade é fundamental, não se discute, mas será que o uso comunitário de tecnologia, quando bem regulado, não poderia ser integrado ao poder público ao invés de combatido? Em vez de censurar o esforço particular, por que não absorvê-lo como um braço auxiliar da política pública, com critérios e fiscalização?

É certo que câmeras de vigilância em residências e comércios ainda que permitidas, não podem invadir a esfera íntima de terceiros nem monitorar espaços públicos em larga escala sem autorização legal, sob pena de violação à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e de outros dispositivos do Código Civil e até constitucionais, mas a busca do cidadão por sua segurança, na ausência ou omissão do Estado, também deve ser lícita, ou permitir que assim se faça, quer seja com o Estado instruindo o particular pela maneira correta, quer seja substituindo as boas ideias dos cidadãos por soluções de igual ou melhor resultado, executadas pela Administração.

Tais medidas propõem resolução viável e prudente, pois é sabido que a substituição da segurança pública por soluções privadas, pura e simplesmente, não é isenta de riscos, pois há um limite tênue entre proteção legítima e vigilantismo. Assim, sistemas comunitários sem regulação podem descambar em perseguições, exposição indevida de suspeitos, julgamentos populares e violações de direitos fundamentais, o que fere diretamente o Estado Democrático de Direito.

Enfim, o comerciante de Vitória pode ter violado a lei urbanística e de proteção de dados, mas sua motivação é compartilhada por milhares de capixabas que, acuados pela criminalidade, buscam se proteger como podem.

O caso, portanto, traz uma necessária reflexão sobre a segurança, que deveria ser unicamente pública, no mundo moderno, e a substituição (que entendo indevida) ou a complementação pelo particular, que deveria sempre ser acolhida, desde que com as devidas orientações e cumprimentos legais.

Se a segurança é um direito, e o Estado não a provê, pelo menos não na integralidade, não é razoável punir quem age dentro dos limites para garanti-la. Mais do que retirar câmeras, o poder público deveria instalar soluções, no caso, já experimentadas pela proposta particular, para que os cidadãos voltem a confiar na promessa constitucional de proteção.

O cidadão, portanto, deve submeter suas propostas ao Estado, que deve se disponibilizar à orientação daquele, assim como o Estado deve se sujeitar a aprender com o particular que, de boa fé, apresenta soluções possíveis para a sociedade. É o caminho para o equilíbrio.