Os Erros do STF e a Erosão Silenciosa das Garantias Constitucionais

Por Renato Canuto
O Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, tem cometido equívocos que, mais do que erros pontuais, representam riscos estruturais ao Estado de Direito. Não se trata de uma disputa ideológica, mas de uma constatação técnico-jurídica: decisões recentes extrapolaram limites constitucionais claros e fragilizaram direitos fundamentais.
O voto do ministro Luiz Fux, ao apontar quatro erros nas medidas que restringiram a liberdade do ex-presidente Jair Bolsonaro, é emblemático. Em síntese, tais medidas, atribuíram responsabilidade por atos que sequer configuram crime no ordenamento penal, invadiram o campo da política externa, alheio à jurisdição ordinária, impuseram restrições desnecessárias, e violentaram a liberdade de expressão.
Esses fundamentos não são uma defesa pessoal de qualquer dos atores envolvidos, mas a reafirmação de princípios que devem valer para qualquer cidadão. A liberdade de expressão não é concessão do Estado, é cláusula pétrea da Constituição.
Lembremos do inquérito instaurado por Dias Toffoli, que, sem fato determinado, sem sorteio de relator e conduzido internamente, reforça a percepção de que há um perigoso desvio de procedimento. E no Direito Administrativo, forma é garantia. A quebra do rito legal não é mera irregularidade, mas ofensa à própria essência da legalidade.
No mesmo cenário, as decisões do ministro Alexandre de Moraes, muitas vezes tomadas sob a justificativa de “defesa da democracia”, também merecem reflexão crítica. O risco de se “proteger” a democracia por meio da supressão de garantias fundamentais é o mesmo que corroê-la por dentro. A história demonstra que regimes de exceção quase sempre se apresentam como guardiões da ordem.
Ainda mais grave é constatar que essa politização do STF não é acidental. O próprio ministro Luís Roberto Barroso declarou que, “há algum tempo, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico especializado e passou a ser um poder político na vida brasileira”.
A afirmação, embora feita com aparente naturalidade, confirma que a Corte deixou de se guiar estritamente pela técnica jurídica para adotar uma atuação política deliberada. Isso não apenas fragiliza sua imparcialidade, como abre espaço para decisões orientadas por conveniência e não por legalidade, um risco direto para a democracia.
Outro exemplo concreto dessa guinada política foi a decisão que desautorizou medida legislativa de impedir o aumento do IOF. O Supremo, por meio do ministro Alexandre de Moraes, validou o decreto presidencial que elevou o imposto, contrariando ato legislativo legítimo e sem que houvesse qualquer ilegalidade intrínseca. Trata-se de uma intervenção judicial indevida em matéria de política tributária, competência que cabe ao Legislativo e ao Executivo, não ao Judiciário. Ao agir assim, a Corte ultrapassa seu papel constitucional e interfere na liberdade de conformação política dos demais Poderes.
Quanto a este tema cabe lembrar que segurança jurídica não é luxo, é condição de sobrevivência para a própria economia e para a vida civilizada. Empresas, investidores e cidadãos precisam saber que as regras do jogo não mudarão ao sabor de conveniências políticas ou da pressão da opinião pública. O STF não pode ser instância de vontade, mas de direito.
O Judiciário, quando se afasta da sua função técnica para se tornar protagonista político, rompe o equilíbrio entre os Poderes.
Assim nascem, naturalmente, as críticas ao judiciário. Todavia, o Brasil vive um momento em que a crítica a decisões judiciais é muitas vezes confundida com afronta às instituições. Essa confusão é perigosa, pois respeitar o STF (impessoalmente) é justamente cobrar que ele atue dentro dos limites que a Constituição impõe.
Não há democracia sólida sem um Judiciário independente, e independência não é sinônimo de onipotência. Os erros do STF, se não forem reconhecidos e corrigidos, podem deixar cicatrizes institucionais profundas, das quais demoraremos décadas para nos recuperar.

Advogado atuante na área Empresarial, Administrativo e Licitações. Habilitado em Liderança, Inteligência Interpessoal, Comunicação Eficaz e Negociação, com 26 anos de experiência na Administração Pública.