Os Operadores do Direito e a Inteligência Artificial

Os Operadores do Direito e a Inteligência Artificial

Por Renato Canuto

Muitos já se perguntam se a advocacia estaria com os dias contados diante da automação crescente. A resposta é clara: não. A advocacia não é apenas a produção de textos jurídicos. É a interpretação do contexto, a sensibilidade de entender o cliente, a estratégia de ponderar riscos, o discernimento de quando litigar ou negociar.

Nenhuma máquina consegue captar nuances emocionais de um depoimento, perceber a credibilidade de uma testemunha, avaliar a repercussão política de um processo ou antecipar a reação social a uma decisão.

Esse feeling humano, construído pela experiência, continua insubstituível. A tecnologia pode auxiliar na pesquisa, na triagem de documentos e até mesmo na redação preliminar de peças. Mas a decisão final, a assinatura e, sobretudo, a responsabilidade ética e profissional pertencem ao advogado.

Substituir isso por uma máquina seria reduzir o Direito a mera estatística e Justiça não se faz por estatística, mas por humanidade. É fato que o uso da inteligência artificial nos tribunais deixou de ser um debate futurista e se tornou uma realidade carregada de riscos.

Mas, se por um lado, os sistemas prometem celeridade e padronização, por outro, já começam a gerar distorções preocupantes, com advogados sendo penalizados e decisões judiciais manchadas por erros grosseiros decorrentes de “alucinações” de máquinas. Neste cenário, a advocacia brasileira vive o que talvez seja o seu primeiro choque real com a Justiça Algorítmica.

Nos últimos meses, casos concretos vieram à tona. Em Santa Catarina, um recurso foi rejeitado com multa depois que se descobriu que as jurisprudências citadas estavam erradas ou até mesmo não existiam. No Paraná, a Justiça Federal sancionou advogado por apresentar artigos de lei e precedentes inventados, encaminhando o caso à OAB.

O tribunal classificou como litigância de má-fé a apresentação de petições baseadas em fundamentos jurídicos fabricados por inteligência artificial, ressaltando que tais práticas atentam contra a dignidade da Justiça. Em ambos os episódios, o elemento comum foi o uso irresponsável de ferramentas de inteligência artificial, capazes de produzir textos impecáveis na forma, mas falsos no conteúdo.

Não se trata de simples erro de digitação ou confusão de citação, é a tentativa de fundamentar teses jurídicas em bases inexistentes, o que atenta contra a dignidade da Justiça. Nem mesmo os tribunais estão imunes a esse tipo de falha.

Recentemente, um desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso assinou um acórdão que citava um dispositivo inexistente do Código Civil. Diante do erro, a Primeira Câmara de Direito Privado do TJ-MT decidiu anular, por unanimidade, a decisão anterior, proferida pelo próprio colegiado. O episódio expôs a fragilidade de confiar cegamente em rotinas automatizadas sem a checagem rigorosa que é própria da atividade jurídica.

Ainda que não se saiba ao certo se uma IA foi utilizada no caso, o erro evidencia como a pressa em “modernizar” pode comprometer a essência do julgamento, que é a fundamentação correta, verificável e transparente.

Mas o fenômeno não é exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, o caso “Mata v. Avianca”, em Nova York, se tornou símbolo mundial do problema quando os advogados do Requerente foram multados por apresentarem seis citações no processo.

Havia apenas um detalhe incômodo, ninguém, nem os advogados da companhia aérea, nem o próprio juiz, conseguiram localizar as decisões ou citações mencionadas no processo.

Todas haviam sido inventadas pelo ChatGPT. Desde então, multiplicam-se relatos de tribunais enfrentando situações semelhantes, ao ponto de já se contabilizarem dezenas de punições aplicadas a profissionais que confiaram demais em ferramentas que, embora poderosas, não foram feitas para substituir a responsabilidade técnica do operador do Direito.

A tentação de usar a tecnologia para driblar a morosidade judicial é compreensível.

Contudo, eficiência sem verdade é apenas injustiça acelerada. O Direito não pode ser tratado como uma linha de produção em que decisões são copiadas e coladas sem alma, sem análise crítica, sem responsabilidade.

É preciso lembrar que, no centro de cada processo, está a vida de pessoas e empresas que dependem da seriedade das instituições.

Portanto, não há um fim da advocacia, como alguns profetizam. O que existe é a necessidade de adaptação. O advogado que souber incorporar a tecnologia de forma ética e responsável continuará indispensável. Aquele que confiar a totalidade de sua atuação às máquinas, sem revisar, sem criticar e sem sentir, arrisca-se não apenas a ser punido, mas a perder a essência da profissão.

 

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