SUBSTUIÇÃO vs COOPERAÇÃO: Impactos da Inteligência Artificial nas Relações de Trabalho

Por João Dallapiccola
A preocupação de que os avanços tecnológicos levariam à substituição de postos de trabalho não é recente, nem restrita ao desenvolvimento da Inteligência Artificial no século XXI. Suas raízes remontam à Revolução Industrial, quando a introdução de máquinas a vapor e a mecanização da produção geraram receios de que as habilidades artesanais se tornassem obsoletas e provocassem desemprego em massa.
Essa inquietação persistiu ao longo das revoluções industriais seguintes, motivando debates sobre seu alcance e impacto. Apesar das mudanças significativas, nenhuma inovação tecnológica eliminou totalmente a necessidade de trabalho humano; ao contrário, muitas transformações criaram novas ocupações, como a de operador de máquinas.
Contudo, o uso crescente de tecnologias para substituir processos manuais tem levado à extinção de funções antes exercidas por pessoas, resultando em demissões em massa de determinados grupos. Schwab (2016) aponta indícios de possível redução do número de empregos industriais na Quarta Revolução Industrial, em comparação com as anteriores:
De acordo com uma estimativa do Oxford Martin Programme on Technology, apenas 0,5% da força de trabalho dos EUA está empregada em indústrias que não existiam na virada do século, uma porcentagem muito menos do que os aproximadamente 8% de novos postos de trabalho criados em novas indústrias durante a década de 1980 e os 4,5% de novos postos de trabalho criados durante a década de 1990.
O fato é corroborado por um recente censo econômico dos EUA, que esclarece que as inovações em tecnologias da informação e em outras tecnologias descontinuadoras tendem a elevar a produtividade por meio da substituição dos trabalhadores existentes; mas não por intermédio da criação de novos produtos que necessitam de mais trabalho para serem produzidos. (Schwab, 2016, p. 44).
Segundo o relatório da UFRJ elaborado por Lima, Strauch, Esteves, Souza, Chaves e Gomes (2019) sobre os impactos da automação no contexto brasileiro, cerca de 60% dos empregos no Brasil enfrentam alto risco de automação nas próximas décadas. Entre as dez ocupações mais numerosas, oito são suscetíveis, incluindo assistente administrativo, auxiliar de escritório e vendedor varejista, áreas que, na época da pesquisa, empregavam mais de 11 milhões de pessoas — cerca de um quinto da força de trabalho formal.
O estudo também identificou 23 ocupações com 99% de chance de automação, evidenciando a urgência de planejamento e adaptação por parte de profissionais e setores econômicos impactados. (Lima; Strauch; Esteves; Souza; Chaves; Gomes, 2019)
Um exemplo concreto é a redução de vagas em telemarketing. Segundo a LCA Consultores, o setor criou mais de 134 mil postos entre 2007 e 2014, mas entre 2015 e 2022 perdeu mais de 66 mil vagas, afetando mais de 80 mil pessoas. O avanço de atendimentos automatizados por “robôs”, baseados em IA, é um dos fatores que explicam essa redução, pois tornam o serviço mais eficiente e barato. (G1, 2023)
Nas micro e pequenas empresas, a automação também trará impactos significativos, com uma probabilidade de impacto de 75%, contra 57% nas médias e grandes empresas (Lima; Strauch; Esteves; Souza; Chaves; Gomes, 2019). Isso preocupa ainda mais porque essas empresas são as principais geradoras de emprego no Brasil: entre janeiro e setembro de 2023, foram responsáveis por 1,1 milhão de vagas — 71% do total. Para competir com empresas maiores, precisam adotar tecnologias que reduzam custos e aumentem a competitividade (Sebrae, 2023).
No setor rural, trabalhadores da agricultura, silvicultura e pesca são os mais vulneráveis, com índice de automação de 70%. O uso crescente de máquinas agrícolas, como o robô da Harvest CROO Robotics, capaz de colher morangos e outras plantações sem danificá-los, exemplifica esse cenário. A previsão é que ele substitua o trabalho de até 30 pessoas, aumentando a eficiência e diminuindo os riscos do trabalho manual (Post, 2019).
As ocupações de menor qualificação são as mais ameaçadas. Para quem tem até o ensino médio, o risco de automação ultrapassa 80%; para quem iniciou o ensino superior, mas não concluiu, é de 60%; para formados, 37%; e cai para menos de 20% entre mestres e doutores (Lima; Strauch; Esteves; Souza; Chaves; Gomes, 2019).
eforça o risco de ampliação das desigualdades, já que a evolução tecnológica pode excluir trabalhadores menos qualificados e beneficiar os mais especializados. Assim, para se manter no mercado, não basta conhecer a própria função: é preciso buscar constante qualificação, especialmente em competências tecnológicas, o que representa um desafio para quem não teve acesso a uma educação completa.
O estudo também mostrou que as mulheres estão relativamente mais expostas à automação do que os homens: 69,7% contra 62,5%, indicando a necessidade de políticas inclusivas para mitigar as disparidades de gênero em um país já marcado por forte desigualdade (Lima; Strauch; Esteves; Souza; Chaves; Gomes, 2019).
A discussão sobre Inteligência Artificial torna-se ainda mais relevante ao se considerar seus potenciais vieses. Programas de IA usados na triagem de currículos podem reproduzir preconceitos, como demonstrou o caso da Amazon, que abandonou um sistema de recrutamento entre 2014 e 2017 por desvalorizar currículos com a palavra “mulher” ou vinculados a associações femininas (Reuters, 2018).
Profissões antes consideradas imunes à substituição por máquinas, como as criativas, também estão sob ameaça. Ferramentas de IA generativa, como ChatGPT, Midjourney e MuseNet, produzem textos, imagens e músicas a partir de comandos simples, colocando músicos, cartunistas e escritores em alerta. Esse temor se materializou nos EUA, onde sindicatos de atores e roteiristas de Hollywood enfrentam os estúdios para garantir não só melhores salários, mas também limites ao uso da IA. Tecnologias de deep fake já permitem criar personagens digitais ou “ressuscitar” atores falecidos, dando aos estúdios o direito de usar indefinidamente essas representações, o que ameaça reduzir a demanda por profissionais reais (The Washington Post, 2023).
A automação também afeta trabalhadores informais, como motoristas e entregadores de aplicativos. A Uber, por exemplo, já testa carros autônomos em alguns países, com o objetivo de reduzir custos e tempo de espera, o que pode ameaçar a renda de muitos profissionais (Autopapo, 2022).
Embora a história mostre que as inovações não tenham causado desemprego em massa no passado, é fundamental analisar como essas tecnologias foram integradas à produção em cada período para entender os possíveis impactos da IA hoje. Assim, torna-se essencial regulamentar seu uso, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil, que enfrentam altos índices de desemprego e instabilidade econômica.
Escrito em conjunto por:
- João Batista Dallapiccola Sampaio, OAB Nº 4.367/ES;
- Catherine Reis Zardo, OAB Nº 41.407/ES, e
- Thiago Dias Matos, OAB Nº 29.429/ES.

Advogado há 39 anos, especializado em direitos sociais e graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), é pai orgulhoso e avô realizado, com uma trajetória marcada pelo compromisso com a justiça e a ética profissional.