Ales: mulheres devem ficar atentas à violência psicológica

Ales: mulheres devem ficar atentas à violência psicológica

Quando se fala em violência doméstica, normalmente as pessoas pensam em mulheres agredidas fisicamente pelos seus companheiros. Mas não é porque a vítima não sofreu uma agressão física que ela não está em situação de violência. A Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340/2006) elenca cinco situações que são enquadradas como violência doméstica: a violência física, a sexual, a moral, a patrimonial e, também, a psicológica.

Muitas vezes, a situação de violência começa justamente com a violência psicológica, que não deve ser negligenciada pelas mulheres, pois pode, ao longo do tempo, culminar em uma agressão física e até mesmo em morte. “O homem não chega já praticando o feminicídio. O feminicídio é o ponto final da violência que ele já vem praticando contra essa mulher há tempos, há anos”, alertou a supervisora da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa (Ales), Valéria Zachel.

Em sua experiência na Procuradoria, que começou a funcionar na Casa em dezembro de 2017, a advogada e sua equipe já receberam mais de 700 mulheres em busca de ajuda. “Nós temos relatos de mulheres que sofreram 30 anos de violência psicológica, de violência sexual, de violência moral. E no final, se ela não rompesse, se ela não saísse daquele relacionamento em caráter de urgência, ela seria morta por aquele companheiro”, contou Valéria.

Como identificar

Uma das dificuldades que as vítimas de violência psicológica esbarram é na hora de identificar e comprovar a situação. A supervisora da Procuradoria da Mulher frisou que a Lei Federal 14.188/2021, que entrou em vigor em julho do ano passado, definiu oito verbos que ajudam tanto as mulheres quanto os operadores do Direito a identificarem esse tipo de violência. São eles: ameaçar, constranger, humilhar, isolar, manipular, chantagear, ridicularizar e limitar o direito de ir e vir.

Valéria Zachel explicou o que configura cada uma dessas condutas: “A ameaça é uma promessa de causar mal muito grave àquela vítima. Constranger é tentar impedir que ela realize alguma coisa que não é ilegal, ele só não quer que ela realize. Humilhar é depreciar, rebaixar. Isolar é deixar aquela mulher sempre só, afastá-la dos amigos, da família, meio que colocar a mulher dentro de uma redoma e mantê-la mais presa a ele”, detalhou.

“Manipular é interferir na vontade dessa mulher, obrigá-la a fazer coisas que ela não queria fazer. Chantagear é fazer ameaças graves, perturbadoras. Ridicularizar é submeter essa mulher a uma zombaria. Limitar o direito de ir e vir é praticamente encarcerar essa mulher”, definiu.

A advogada relatou que a definição dessas condutas auxilia a vítima e quem trabalha na rede de proteção à mulher a comprovar o crime. “Em algumas situações, acabaria sendo a palavra da mulher contra a palavra do agressor. Esses verbos (ameaçar, constranger, humilhar, isolar, manipular, chantagear, ridicularizar e limitar o direito de ir e vir) vão fazer com que a gente tenha condição de identificar que, de fato, aquela mulher está na situação de violência doméstica psicológica”, disse.

A lei inclui o artigo 147-B no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) tipificando a violência psicológica como “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.

Agora prevista no Código Penal, a violência psicológica pode levar à reclusão de seis meses a dois anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave, segundo a legislação.

Segundo Valéria Zachel, a tipificação do crime no Código Penal é uma conquista muito importante: “Quando a mulher chegava e o juiz identificava que ela tinha sofrido violência psicológica, ele ficava amarrado, porque dentro do Código Penal, que é a lei que estabelece os tipos penais que são crimes e as punições específicas, não tinha claramente definido violência psicológica”, contou.

“Então, os nossos magistrados da área, das varas especializadas de violência doméstica, ficavam tentando buscar dentro do Código Penal uma ameaça, uma lesão, uma coisa para aplicar. E isso acabava dificultando até que o processo tivesse êxito. Porque para criminalizar um agressor e aplicar nele a penalidade específica e correta, o crime cometido por ele tem que estar muito bem definido dentro do Código Penal, que é a nossa ferramenta de aplicação de penalidade”, relatou a advogada.

Falta de dados

O dia a dia no atendimento às vítimas mostra que a violência psicológica é muito comum na vida das mulheres em situação de violência doméstica. Porém, não há dados específicos, pois quando uma mulher registra um boletim de ocorrência, não existe a classificação do tipo de violência doméstica sofrido.

“A inclusão da informação dos tipos de violência doméstica é uma luta antiga da Procuradoria da Mulher. A procuradora anterior, deputada Janete de Sá, chegou a fazer um projeto de lei (PL 413/2020) para incluir esses dados no boletim de ocorrência junto à Polícia Civil, mas o projeto foi julgado inconstitucional. Por isso, a nova procuradora, Iriny Lopes, pediu isso diretamente ao delegado-geral, Dr. Darcy Arruda”, contou Valéria.

O PL 413/2020 de Janete de Sá (PMN) obrigava que constasse a descrição do tipo de violência doméstica e familiar – física, psicológica, moral, sexual e patrimonial – nos boletins de ocorrência.

“A Lei Maria da Penha estabelece as modalidades de violência doméstica. Mas o que acontece? Quando a mulher registra o boletim de ocorrência na delegacia, não tem lá discriminado qual tipo de violência doméstica ela sofreu. O agente da delegacia só pode colocar ‘violência doméstica’. É por isso que a gente não tem uma estatística específica da proporção de registro de cada violência individualizada”, detalhou a supervisora da Procuradoria.

Dando continuidade ao trabalho desenvolvido pela antiga procuradora da Mulher, Janete de Sá, a atual procuradora, deputada Iriny Lopes (PT), realizou uma reunião com o delegado-geral da Polícia Civil e solicitou que a informação seja incluída nos registros. “A deputada Iriny solicitou que essa informação fosse incluída nos boletins de ocorrência para facilitar a identificação do tipo de violência sofrido e também para servir de base para o desenvolvimento de políticas públicas em cima da proporção dos tipos identificados”, contou.

Procuradoria da Mulher

A Procuradoria da Mulher atua na Assembleia Legislativa desde dezembro de 2017 e já atendeu mais de 700 mulheres. “Essas mulheres foram direcionadas, algumas para registro de boletim, algumas para buscar outro tipo de ajuda nos Cras (Centros de Referência da Assistência Social) e nos Creas (Centros de Referência Especializados da Assistência Social). A gente atendeu, acolheu e direcionou para tirar essas mulheres do ciclo de violência”, relatou Valéria Zachel.

Há ainda um termo de cooperação entre a Procuradoria e a Defensoria Pública para a instauração e acompanhamento de processos judiciais.

O atendimento psicológico ainda não é ofertado pelo setor, mas, segundo a supervisora, existe esse objetivo. “A Procuradoria da Mulher não oferece esse trabalho de assistência psicológica. É um desejo da deputada Iriny Lopes. Inclusive ela já tentou nomear aqui uma psicóloga, mas a gente esbarrou em questões burocráticas. Mas ela entende a importância e continua lutando para trazer uma psicóloga para esse setor. Porque, hoje, quando a gente recebe uma mulher e identifica que ela necessita desse auxílio, a gente trabalha em parceria com faculdades e até com o Tribunal de Justiça. Lembrando que é uma parceria informal”, explicou.

A Procuradoria da Mulher fica localizada no térreo da Assembleia Legislativa e funciona de segunda à sexta-feira, das 9 às 18 horas. A supervisora reforçou a importância de denunciar qualquer tipo de violência doméstica: “Tem que denunciar. Tem que perder o medo. A mulher não pode ficar submissa dentro de uma situação de violência doméstica. Ela precisa saber que dentro do setor público ela vai achar o apoio que ela precisa, ela vai ser acolhida”, disse.

 

Reprodução Ales