Estelionatos crescem no Brasil: Internet e leis facilitam o crime
Em junho deste ano, a Polícia Civil de São Paulo realizou operação em Barueri que causou surpresa na Internet. Um homem de 34 anos usava manequins, fotos impressas e falsas identidades para burlar o reconhecimento facial dos bancos e aplicar golpes com empréstimos. O caso revela como brasileiros precisam redobrar seus cuidados contra golpes. Facilitado pelas Internet, pela atitude da vítima e até mesmo pela lei, o número de estelionatos cresce.
Os números são calamitosos. Na edição de 2023 de seu anuário, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que, em 2022, o Brasil bateu seu próprio recorde em estelionatos: foram 1.819.409 casos no total, 208 golpes por hora. Desde 2021, houve aumento de 37,9% no total. Além disso, desde 2018, os registros de estelionato cresceram 326,3%.
A situação agrava o contexto de 2022, quando a ocorrência de estelionatos triplicou: entre 2018 e 2021, os casos subiram de 426 mil para 1,5 milhão. Além disso, no mesmo período, os golpes digitais subiram 600%, pulando de 7,6 mil casos para 60,6 mil. Tudo isso com base apenas nos casos relatados: é possível que os números sejam maiores, porque muitas vítimas não denunciam.
Muito disso se deve à maneira como a Internet facilita a prática do estelionato. Os aplicativos, os sites e as contas bancárias digitais estimulam as invencionices dos criminosos. Eles se passam por consórcios, por leiloeiros, vendedores, empregadores, funcionários de empresa, servidores públicos, clientes, até mesmo parentes da vítima. Dessa forma, ludibriam as pessoas com mais facilidade, porque soam convincentes.
A atitude da vítima também agrava a situação. É comum que ela se sinta responsável pelo próprio infortúnio, já que não foi coagida, mas convencida a entregar o que foi roubado. Além disso, prevalece de alguma forma a sensação de vergonha. Retratada por antropólogos como Roberto DaMatta, a “cultura da esperteza” torna humilhante admitir ter sido trapaceado. Tudo isso cria barreiras psicológicas para denunciar a situação.
O fato mais preocupante, no entanto, é a maneira como a lei se tornou mais branda e praticamente “cúmplice” do estelionato. Isso ocorre desde as novidades introduzidas pelo Pacote Anticrime, lançado no governo Bolsonaro durante a gestão do ex-juiz e ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro.
Com as mudanças do Pacote, o crime de estelionato passou a ser mais difícil de combater. Antes, as investigações não dependiam do consentimento da vítima. Bastava o boletim de ocorrência para que a Polícia Civil e o Ministério Público pudessem investigar o caso. Com as mudanças do Pacote, isso não é mais possível. A Polícia e o Ministério só podem investigar o caso mediante permissão, concedida quando a vítima aciona a Justiça.
Para piorar, o Pacote Anticrime também dificulta julgar e punir o estelionatário. Sem a queixa na Justiça, não existe base para condenar o criminoso. Dessa forma, menos importa se o estelionatário for detido em fragrante pela Polícia. Não havendo processo na Justiça, não pode haver julgamento. E, não havendo julgamento, não pode haver condenação.
Além disso, a pena para o crime de estelionato cria facilidades para o criminoso. Sua duração é de três a cinco anos. Dessa forma, existe a possibilidade de ser convertida em formas mais brandas de punição, como trabalho comunitário. Tudo isso torna o estelionato no Brasil um crime cujo risco compensa.
Conheça alguns tipos de golpe:
FALSO PERFIL. O criminoso estuda as publicações das redes sociais da vítima para obter nome e foto de um parente próximo dela. Conseguindo, usa esses dados para criar um perfil falso em algum aplicativo de mensagens. Em seguida, usa desse perfil fazer pedidos à vítima, como transferências bancárias.
WHATSAPP. O criminoso obtém o número do celular da vítima em sites que disponibilizam essa informação. É o caso de sites de vendas como OLX. Com ele, o criminoso cria uma conta Whatsapp, que só permite uma conta por número. Em seguida, telefona para a vítima fingindo ser um funcionário do site. Alegando ser necessário para completar o cadastro, o criminoso solicita o código que o Whatsapp lhe enviou. Obtendo o código, faz o registro do Whatsapp com seu celular, roubando a conta da vítima e a usando para praticar golpes.
PRESENTE. O criminoso presenteia a vítima com uma lembrança, que afirma ter sido enviada como surpresa por alguma empresa. Para confirmar o recebimento, recolhe da vítima nome, CPF, identidade e até mesmo foto. E usa desses dados para praticar golpes abrindo contas ou fazendo compras ou empréstimos.
FALSO SEQÜESTRO. O criminoso telefona para a vítima e finge ter seqüestrado um parente dela, cobrando dela um resgate. Em algumas versões do golpe, o criminoso telefona antes para o parente que fingiram seqüestrar, pedindo para que desligue o telefone, a fim realizarem uma manutenção em sua linha.
EMPREGO. O criminoso finge ser um empregador e oferece um emprego à vítima. Para isso, impõe que a vítima pague por um treinamento online, supostamente necessário para obter o emprego. Ao pagar pelo treinamento, a vítima entrega dinheiro para o criminoso.
“BENÇA TIA”. O criminoso telefona para a vítima e pede a benção. Para tentar obter o nome de algum parente dela, pergunta se “não lembra da minha voz?” ou “sabe quem fala, não?”. Descobrindo o nome, pede que transfira dinheiro para pagar o conserto de um carro, comprar uma roupa ou algo semelhante.
(Imagem: Sam Williams / Pixabay)
Escritor e publicitário. Bacharel em Jornalismo e Economia. Mestre em Relações Internacionais. Bacharelando em Filosofia.